Gostaria de sentar e conversar com o presidente do Flamengo, o Sr. Márcio Braga, sem câmeras e microfones. Quando umas e outros estão presentes fico com a impressão que o presidente do Flamengo só fala com elas e eles.
Apesar de algumas críticas à sua gestão, confesso duas coisas: a primeira, eu gosto dele, não o enxergo com feições demoníacas ou algo parecido. A segunda, por nada desse mundo eu gostaria de estar em seu lugar. Em condições normais de pressão e temperatura já seria difícil administrar uma instituição como o Flamengo, mas nessa conjuntura em que vive o clube há muitos anos, com uma dívida monstruosa e sempre correndo atrás de recursos, lutando a maior parte do tempo para manter viva a instituição... É até difícil imaginar.
Ontem ele entrevistado no Arena Sportv. Falou bastante, foi interessante, mas, se não fosse pelas câmeras e microfones teria sido melhor. Destaco dois pontos mais importantes e que merecem reflexão: a existência dos campeonatos estaduais tais como são hoje, o que implica em discutir o calendário, e um velho problema: a gestão do futebol profissional praticado por grandes clubes por meio das federações e confederação.
Campeonato Carioca e demais Estaduais
MB diz que toda vez que o Flamengo entra em campo contra Madureira, Cardoso Moreira e outras equipes pequenas, sem atração, perde dinheiro. Como mandante – e pela fórmula desse ano o clube é sempre mandante – tem que garantir uma cota mínima de R$ 40.000,00 – valor que muitas vezes não é proporcionado pela bilheteria líquida. Portanto, literalmente, o clube paga para jogar. O presidente do CRF diz, e concordo com ele, que é preciso reduzir o número de jogos deficitários, ou até mesmo eliminá-los, pois isso já daria uma aliviada no caixa dos clubes. Ele gostaria de um Carioca bem curto, com poucos times – acha 16 equipes um absurdo, pois o estado do Rio de Janeiro não tem essa quantidade de clubes em condições de disputar uma 1ª divisão profissional – e aproveitando as datas de sobra para jogar o Rio/São Paulo, competição que parece morar em seu coração, pois falou dela várias no decorrer da entrevista. Como lembraram os participantes do programa, Alberto Helena Jr., principalmente, o Estadual e o Rio/São Paulo em forma de copas poderiam ser jogados em três meses, permitindo aos clubes fazer uma pré-temporada digna desse nome, com pelo menos 30 a 40 dias antes de começar uma competição.
Complicando ainda mais, a renda líquida dos jogos do estadual carioca é diminuída por taxas diversas, como, por exemplo, a que é cobrada pela Federação do Rio de Janeiro que era de 5% e passou para 10% da renda bruta. Isso levou a conversa para outro tema, o da estrutura do futebol no Brasil.
Federação x Liga: o jogo que não existe
Ao ouvir o presidente do Flamengo reclamar seguidamente da Federação, da estrutura, do calendário, do número de times num simples estadual e muito mais, uma pergunta surge com naturalidade, ainda mais quando o entrevistado diz, e sua biografia mostra, que está há 30 anos no futebol e nada conseguiu mudar.
- Presidente, por que os clubes não mudam tudo isso?
E a conversa dá uma ligeira esquentada. MB diz que é impossível mudar sozinho, em primeiro lugar. Diz que a culpa é dos próprios clubes, omissos e divididos. Reclama que no Rio de Janeiro só tem apoio do Botafogo (brigamos muito dentro de campo, “às vezes até dá choro”, mas somos unidos fora dele) e do América, e sequer conseguiram mudar a federação depois dos graves fatos que foram denunciados. No plano nacional, apesar do namoro, quase noivado, com o Corinthians, o diálogo maior se dá com o São Paulo, já há alguns anos.
É levantada a questão do voto unitário nas federações – o que faz o voto do Flamengo ter o mesmo peso que o do Cardoso Moreira (na verdade, pelo que sei, há um ligeiro peso maior para os grandes clubes, mas nada que altere a lei da gravidade – nota do Editor) – e com o fato agravante de clubes amadores votarem e, por incrível que pareça, nada menos que 93 ligas. Segundo Alberto Helena, essa estrutura e promiscuidade faz com que o futebol continue dando aos grandes clubes uma função filantrópica, permitindo aos donos do poder formal manter uma política assistencialista em troca de votos.
Então, por que não se cria uma Liga?
A conversa aborda a questão da criação do Clube dos 13, e a intenção de que ele fosse uma Liga Nacional, nos moldes das que existem na Europa, onde as federações nacionais cuidam das seleções e algumas questões burocráticas, cabendo às Ligas a organização e administração dos campeonatos. A falta de união entre os clubes volta a ser a vilã, com cada um defendendo interesses próprios sem pensar no coletivo (a esse respeito, o ex-presidente do São Paulo, Marcelo Portugal Gouvêa, tem falado várias vezes, como já relatou esse Olhar Crônico Esportivo anteriormente, pregando a disputa dentro do campo e a união fora dele).
Para MB, uma Liga profissional daria condições bem melhores aos clubes. No que diz respeito ao Campeonato Brasileiro, por exemplo, ele acredita que apenas 32 clubes devem fazer parte da elite, divididos em duas divisões, com 16 clubes em cada uma e acesso e descenso todo ano.
Márcio Braga ainda conta que, em seus 30 anos de futebol, nunca participou de uma reunião na CBF para discutir a razão de ser de tudo isso, o futebol brasileiro. O mesmo acontece nas federações. Reuniões existem apenas para acerto de tabelas e outras questões burocráticas, nada para discutir linhas de atuação, perspectivas futuras, etc.
Infelizmente, com certeza pela curta duração do programa, o tema não foi aprofundado.
Faltou responder...
Numa conversa como essa, e dado o caráter do Arena Sportv de relativa liberdade e informalidade, os temas desviam com bastante freqüência, enriquecendo a conversa, sem dúvida, mas também deixando-a pobre, ao não aprofundar nenhum ponto levantado, e muitos foram levantados só de passagem. O Olhar Crônico Esportivo levanta alguns deles e faz seu próprio questionamento.
Calendário:
- Nem o presidente, nem algum dos entrevistadores, falou do óbvio: não seria melhor adequar nosso calendário ao europeu?
- E quando falaram das datas que uma mudança traria, ninguém falou das oportunidades perdidas pelos grandes clubes brasileiros, que não conseguem jogar no exterior por falta de datas.
Mercado de trabalho:
- O presidente do Flamengo relatou sua conversa com Platini, que teria, segundo ele, demonstrado espanto e reclamado do número de jogadores brasileiros registrados na UEFA, nada menos que mil por ano (esse número, na verdade, é de brasileiros com transações registradas na FIFA), e enveredou, no que não foi contestado e sim apoiado, pelo caminho fácil da crítica à evasão de valores. Não lhe foi perguntado, e ninguém tampouco explicou, o que fazer com esses mil jovens que deixam o Brasil em busca de trabalho. O Flamengo contrataria quantos? E os demais clubes, contratariam quantos? – lembrando que para o presidente apenas 32 clubes, quando muito, estão capacitados a disputarem a primeira e segunda divisões do futebol profissional
Os números, sempre eles...
- O presidente falou de números bonitos, segundo os quais o Flamengo tem 33 milhões de torcedores, o Corinthians 23 milhões e o São Paulo 15 milhões, de acordo com a pesquisa Datafolha. Ora, mas como é possível falar seriamente em marketing com números incorretos como esses? Onde cada um deles é quase o dobro do número real de acordo com a mesma pesquisa que o presidente usa? Curiosamente, os jornalistas presentes, todos experientes e conhecedores do mundo da bola, em nenhum momento questionaram esses números gigantescos.
Um programa como esse, de excelente qualidade, diga-se, vale pelo que é dito e também pelo que não é dito. Márcio Braga falou de outros assuntos, como a altitude (pouparei os leitores, até porque seu embasamento deu-se no “altíssimo risco de vida para os atletas”), a venda do futebol brasileiro para o exterior, o contrato com a Nike, entre outros. Destaquei os que foram, na minha opinião, mais importantes e que também, e não por coincidência, tomaram mais tempo do programa. Outros temas também foram e são importantes, mas não houve aprofundamento.
Em tempo: hoje, MB conversará sobre a Timemania com o Vice-Presidente de Loterias da CEF. Para os clubes a arrecadação está muito baixa e alguma providência precisa ser tomada para aumentar os valores. Para os técnicos da Caixa – e esse blogueiro concorda com eles – a arrecadação está normal e deverá aumentar paulatinamente. Ah, sim, o nome do VP da CEF: Moreira Franco. Apenas por curiosidade, claro.
Bom dia a todos.
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