Um Olhar Crônico Esportivo

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terça-feira, dezembro 02, 2008

Intromissões indevidas



Fui surpreendido pela divulgação que os ingressos no Bezerrão para o jogo Goiás x São Paulo iriam custar
R$ 400,00. Num primeiro momento não dei atenção, achando que fosse brincadeira.

Mas não era, a coisa era séria e soava como meio ofensiva, até, com a explicação que o preço seria de somente (sic) duzentos reais se o endinheirado torcedor levasse também dois quilos de alimentos para as vítimas da enchente em Santa Catarina.

Cheguei a manifestar-me por escrito sobre isso, na internet, criticando com acidez a diretoria do Goiás.

Hoje, porém, tive oportunidade de ouvir as entrevistas de dois diretores do clube goiano, um deles o diretor administrativo do Goiás, Marcelo Segurado (clique aqui para ouvir na íntegra). Logo no início, Marcelo esclarece que o Goiás Esporte Clube tem excelente relacionamento com o São Paulo, desfazendo, assim, algumas conversas em sentido contrário. Fala, na sequência, das punições sofridas pelo clube, devido a incidentes entre torcedores nos jogos contra o Vasco e contra o Cruzeiro. É bom destacar, também, que o diretor do GEC atribui a punição aos “vândalos“ e não critica a medida tomada pelo STJD.

Resumindo, Segurado diz que se esse jogo final, valendo a conquista do título, fosse no Serra Dourada, também teria os preços reajustados, as cadeiras para 70 ou 80, a arquibancada para 50 reais, dando ao clube a chance de um bom faturamento. Com a punição, fizeram um jogo em Itumbiara, onde o clube teve prejuízo, devido à baixa renda. Esse é um ponto importante: o Goiás Esporte Clube teve prejuízo em Itumbiara e, por conseqüência, queria fazer o jogo contra o São Paulo em outro estádio de maior porte. Pelo que ele fala, e pode ser conferido no áudio linkado acima, o clube via com bons olhos a sugestão do São Paulo para fazer o jogo no Maracanã ou no Engenhão, assim como a oferta da cidade de Uberlândia, que ofereceu o Parque dos Sabiás, com capacidade para 50.000 pessoas, em ótimas condições financeiras para o Goiás, e oferecendo-se, inclusive, para pagar as despesas do São Paulo.

O Goiás, entretanto, foi surpreendido pela marcação do jogo pela CBF para o novo estádio Bezerrão, na cidade de Gama, no Distrito Federal. Como esse estádio tem apenas 19.000 lugares e a diretoria deverá vender somente 18.000 ingressos, optou-se pelo aumento nos preços dos ingressos para poder dar algum lucro para o Goiás.

É importante essa sequência para entendermos que os dois clubes não queriam jogar em Itumbiara, que ambos queriam jogar em estádios grandes, com boas condições de jogo para o São Paulo, e com bom retorno financeiro para o Goiás.

Marcando o jogo para o Bezerrão a CBF atropelou os dois clubes e o próprio STJD, que recém-retirou a punição de perda de mando sofrida pelo Goiás, mas não a tempo de reverter o jogo. Ficou decretado: Jogue-se no Bezerrão.

Que é bom estádio, isso não se discute. E bem localizado, numa área com alto poder aquisitivo – não a cidade de Gama, mas sua vizinha rica, a capital da República, cidade que tem a maior renda per capita do Brasil.

Mas...
Somente 19.000 lugares.

Ora, o Goiás que já sonhava em terminar o BR 2008 com dois milhões líquidos dessa renda em seu caixa, dinheiro bastante para pagar dezembro, décimo-terceiro e férias de seu elenco, viu-se, de repente, obrigado a jogar em um estádio pequeno, onde a renda, aos preços normais, daria algo como oitocentos mil reais ou menos, brutos.

Agora vem a parte mais incrível de tudo isto. O diretor goiano foi claro, como podem constatar pelo áudio linkado: a administração do Bezerrão cobra uma taxa administrativa de campo (para usar o campo, vestiários, bilheterias) de nada mais, nada menos, que R$ 135.000,00 – chamada por Marcelo de “exorbitante”. E é mesmo, muito exorbitante. Tem mais: há também a taxa de 10% da renda bruta como aluguel. Além dessas taxas, há outras (repetitivo, não?): 5% para o INSS, 5% para a Federação Brasiliense, 5% para a Federação Goiana e 5% para a CBF. Mais as despesas com juízes, seguro de vida, etc. Enfim, uma exorbitância. Não há como definir melhor.

O próprio Marcelo Segurado tornou a conversar com o presidente da Federação Brasiliense e este mostrou-se irredutível, não iria reduzir nenhuma cobrança, dizendo, segundo o Marcelo, que esse jogo não deveria ser jogado lá e outras milongas mais.

Diante disso, a diretoria goiana resolveu cobrar 400 reais pelo ingresso, estabelecendo a meia-entrada em 200 reais, com a condição do torcedor não estudante levar 1kg de alimento ou roupa, cobertor, brinquedo, etc (segundo o site oficial do clube os donativos arrecadados serão todos destinados à Organização das Voluntárias de Goiás - OVG.

Dessa forma, a diretoria do Goiás espera arrecadar por volta de pelo menos dois milhões de reais brutos.

Diante dos fatos expostos, caso não sejam contrariados, o Goiás está correto. Quatrocentos reais, o preço oficial, ou duzentos, na “promoção”, são valores muito altos para um jogo de futebol com ingressos de preço único.
Como parâmetro, em 2005 e em 2006 o próprio São Paulo cobrou 150 reais pela cadeira nos jogos finais da Copa Libertadores.

Em tempo: o artigo 16 do Regulamento do Campeonato Brasileiro dá ao clube mandante o direito de cobrar o que quiser, desde que dentro das normas legais.
Esse artigo, posteriormente, recebeu um complemento a pedido dos clubes, estabelecendo o preço mínimo dos ingressos em dez reais.

Ou seja, o Goiás está certo aos olhos do regulamento, e está certo na minha visão a respeito desse tema, que já manifestei em outras oportunidades.
Diante disso tudo, fica claro que esse jogo poderia e deveria ser realizado no bonito Engenhão.



Demonstrativo da renda com ingresso a 50 reais


Ainda a tempo: se o Goiás cobrasse 100 reais cada ingresso e estabelecesse a meia-entrada como padrão (estudantes mais os doadores), e vendesse todos os 18.000 lugares, obteria uma renda bruta de 900.000 reais. Com os descontos devidos:


Despesa

% s/ renda bruta

Valor

Taxa de uso do estádio


135.000

Taxa de aluguel do estádio

10%

90.000

INSS

5%

45.000

CBF

5%

45.000

Federação Brasiliense

5%

45.000

Federação Goiana

5%

45.000

Arbitragem, seguro, outras


10.000 (estimado)


Total despesas

415.000


Renda líquida

485.000 (estimado)



Uma final de Campeonato Brasileiro – ou melhor, um jogo que se transformou em final – tem um grande atrativo e merece uma diferenciação em seu preço. Acho duzentos reais um valor alto, mas não mais exageradamente alto, pois o que realmente está pela hora da morte são os custos adicionais, particularmente os custos do estádio.



Punição?

Fica uma questão: é essa a melhor maneira do STJD punir os clubes? Antes, jogava-se a partida da punição com os portões fechados. Sem dúvida, uma coisa horrível, absolutamente sem graça. A gritaria contra foi alta, por parte dos clubes e por parte dos usuários e mantenedores do espetáculo, os torcedores.

Será que jogar fora de sua casa, a partir de um raio de 100 km é mesmo uma punição?

E por que o tribunal tinha de se intrometer numa questão que poderia e deveria ter sido solucionada pelas duas diretorias?



Post scriptum


A decisão do Goiás provocou intensa polêmica em Brasília e São Paulo, principalmente, repercutindo no Rio de Janeiro e na CBF.

Depois do presidente da Federação Brasiliense ter dito ao diretor do Goiás que a posição da Federação era definitiva, inarredável, o ex-Senador J R Arruda, governador do DF entrou em cena, forçando a reunião e convencendo seu pessoal (alguma dúvida a respeito?) a reduzir as taxas cobradas inicialmente.

Depois de longa negociação com a diretoria do Goiás, incluindo o presidente Pedro Goulart, foram definidos 3 diferentes preços para diferentes setores do estádio:

- Tribunas de honra: R$ 250,00 >> R$ 125,00

- Arquibancadas laterais: R$ 200,00 >> R$ 100,00

- Arquibancadas atrás dos gols: R$ 150,00 >> R$ 75,00


Todos que levarem donativos pagarão meia-entrada.
Preços ligeiramente salgados, sem dúvida, mas compatíveis com a importância do jogo.
Não é simpática essa atitude, mas é correta, de um ponto de vista profissional num esporte competitivo e de custos tão elevados como o futebol.

Não podemos perder de vista dois pontos importantes nesse episódio:

1 - A interferência indevida e autoritária da CBF.

2 - Os custos cobrados por uma federação que administra um bem público.

Muitas críticas estão sendo feitas ao Goiás, mas, na minha visão, não são justas.

É importante, também, destacar que esse caso cria uma importante jurisprudência para uso futuro pelas outras equipes.


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6 Comments:

  • At 6:32 PM, Blogger Carlos Gustavo said…

    Caro emerson,

    não citei que o Goiás está certo ou errado, ou a cbf, STJD foram injustos.

    Apenas fiz menção, que com esta discussão toda o torcedor sairá prejudicado.

    Se tem valor mínimo no preço dos ingressos, porque não há valor máximo?

    O preço é absurdo. (mais caro do que a final da Copa do Mundo de 2010).

    Abraços,
    Carlos Gustavo

     
  • At 9:48 PM, Anonymous Anônimo said…

    Ainda que os custos com o estádio estejam realmente altos (afinal o Bezerrão também não ficou esse estádio europeu que o Arruda acha), não acho justo que o torcedor tenha que sentir no bolso a irresponsabilidade de cartolas gananciosos...

    Segundo a tabela que você postou aqui, hermano Emerson, com o novo preço do ingresso o Goiás deve lucrar de 1 milhão pra cima. Esse valor depende, claro, que o público chegue aos 18.000, mas na minha opinião deve até passar disso.

    Acho que agora essa grana deve dar pra pagar os "enormes gastos" de que vinham se queixando os goianos, nao?
    Abraços a todos!

     
  • At 9:57 PM, Anonymous Anônimo said…

    o gov do DF "liberou" o Goiás do custo do aluguel, daí a "bondade" de diminuir o preço, que continua absurdo, na minha opinião. E pelo que estou ouvindo na Pan, meia-entrada só com carteirinha de estudante, sem doações!!!

     
  • At 10:18 PM, Blogger Emerson said…

    Tina, oficialmente nada há sobre as doações não valerem a meia.

    Cá entre nós, eu duvido muito que o Arruda, político esperto como ele é, iria amarrar um acordo que seria trocar seis por meia-dúzia, mais o agravante político do fim das doações.

    Duvido.

    Tivesse eu dez fichas, apostaria oito em como amanhã o site do Goiás vai trazer a confirmação do acordo com as doações valendo meia entrada.

     
  • At 10:40 PM, Anonymous Anônimo said…

    pois é, Emerson...
    oportunismo puro!
    Tá no site da Pan
    http://jovempan.uol.com.br/jp/index.php%3Fview%3D146124%26categoria%3D2

     
  • At 12:51 PM, Anonymous Anônimo said…

    Bom, ate agora a tarde nada de mudança de planos, hermano Emerson.
    As doaçoes de fato não vão mais garantir meia entrada.

     

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