Um Olhar Crônico Esportivo

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quarta-feira, agosto 31, 2005

Tostão: "pênaltis" da tv; descanso; Robinho



Não entendo várias coisas

Quando era menino, não entendia o que os adultos falavam e faziam, principalmente, quando falavam uma coisa e faziam outra. Cresci, compreendi várias coisas e assimilei outras, mesmo sem entender. De vez em quando, devaneio para lembrar e recuperar coisas que perdi e desaprendi depois que me tornei adulto.
No futebol, entre tantas coisas que não entendo e ou não concordo, uma é o grande número de pênaltis marcados pelos árbitros e/ou pedidos pela imprensa. Há também um excesso de faltas marcadas. Isso não anula a violência de muitos atletas, como o brucutu Alceu, que cuspiu na cara do Lugano.
Sei que a regra não faz diferença entre faltas dentro e fora da área, mas pênalti só deveria ser marcado se for claro e indiscutível, pois é a penalidade máxima, que costuma definir uma partida.
Pênalti que só é claro e/ou visto pelas mil câmeras de televisão não é pênalti. É pênalti da televisão. O futebol dos gramados é bem diferente do da TV. Os jogadores estão correndo no instante do lance, e não parados ou em câmera lenta.
Quando existe um pênalti duvidoso, não marcado pelo árbitro, que a imagem ou o tira-teima sentencia como pênalti, não houve falha do árbitro, e sim uma limitação humana. O árbitro não pode assinalar o que não vê.
É preciso desmistificar também a onipotência da imagem. Além disso, a edição de imagens é feita dentro de uma fria sala por um observador, que nem sempre entende de futebol. A imagem não é tudo. Ela não pensa, não tem emoção nem sonha. Não é humana.


Ameaças

Quando jogava, pensava nos passes, nos gols, nas vitórias, nos títulos e nas férias. Por isso, entendo e concordo com os educados pedidos do Ronaldinho para não jogar a Copa das Confederações. Ele e os jogadores brasileiros que atuam na Europa ficarão mais de dois anos sem férias, já que a Copa de 2006 será no mesmo período.
O descanso seria benéfico para os jogadores e para a Seleção. Mas esvaziaria os bolsos dos que têm interesses econômicos na competição.
Se esses atletas ficassem de fora, teriam de ser chamados os que estão no Brasil, o que seria péssimo para os clubes. Não há uma solução imediata para tanta confusão.
A solução definitiva seria unificar os calendários de todo o mundo, diminuir o número de torneios e de jogos, proibir partidas durante as férias e não permitir jogos entre times e entre seleções ao mesmo tempo.
Não é assim devido aos interesses financeiros da Fifa, da CBF, das confederações de todo o mundo, dos empresários, dos patrocinadores, das televisões e também dos atletas, que ganham mais com o aumento de jogos, pelo menos em publicidades.
Todos deveriam fazer um acordo para diminuir o número de partidas, ganhar menos e salvar o espetáculo e a qualidade do futebol. Mas a ganância não deixa.
Lamentável foram as ameaças e a chantagem emocional do supervisor Américo Faria (seria um porta-voz da CBF?), no dia da convocação da Seleção, quando disse irado: ''Quem ficar de fora da Copa das Confederações está mais distante da Copa de 2006.''

Drible do pião

Não sei se o Robinho jogou ou ainda joga pião. Se alguém não sabe, pião é um brinquedo piriforme, que gira impulsionado por um barbante. Fui campeão de pião. Ninguém vai acreditar. ''Roda mundo, roda pião, o mundo rodou num instante nas voltas do meu coração.'' (Chico Buarque)
Contra o Universidad do Chile, Robinho deu o drible do pião. Ao receber a bola rasteira, deu um toque por baixo, colocou efeito na bola, que passou por cima do zagueiro. Quando tocou no chão, Robinho percebeu o efeito da bola (parecia um pião), e sem tocá-la deu um drible de corpo no zagueiro, e acompanhou a trajetória da bola entre as pernas do adversário. Aí pegou a bola do outro lado, driblou o terceiro zagueiro e sofreu pênalti, quando iria fazer um gol inesquecível.
Eu não parava de rir. Voltei a ser criança, quando adorava jogar pião. Hoje é dia de ver o Robinho brincar e enfeitar a bola e o futebol.


(Coluna do Tostão - 29/5/05)

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Tostão: bolas paradas e goleiro-líbero


A coerência é rara

Em todo o mundo, acontece um grande número de gols decorrente de escanteios e de cruzamentos de bolas paradas. É uma evolução do futebol. Esses gols eram pouco comuns no passado, com exceção das faltas perto da área e cobradas diretas para o gol.
Os técnicos adoram treinar escanteios e cruzamentos de bolas paradas para a área. Eles se sentem mais decisivos no resultado do jogo. Porém, não se deve priorizar demais esses lances, pois os times ficam mais previsíveis e o futebol mais chato e feio.
Hoje, é mais importante ter um especialista nas bolas paradas (são poucos) do que um jogador habilidoso. Não se deve confundir também talento com habilidade. O talento é a soma da habilidade, da técnica, da criatividade e das qualidades físicas e emocionais.
Melhor ainda é ter um craque nas bolas paradas e em movimento, como Alex, Riquelme e outros. Grande número de gols do Cruzeiro na conquista do Brasileiro de 2003 saiu de bolas paradas, com Alex.
Parreira não se entusiasma com Alex. Com a escalação do quarteto, Alex deve perder um lugar entre os 22. Nos dois últimos jogos pelas Eliminatórias, Ricardinho foi convocado para o seu lugar. Só foi chamado para a Copa das Confederações (foi cortado por contusão) porque o Santos ficaria sem três titulares.
No esquema com dois meias e dois atacantes, Juninho é reserva do Kaká e Ricardinho ou Edu ou Zé Roberto (Renato entraria de volante) do Ronaldinho Gaúcho. Como Alex tem pouca velocidade e mobilidade para marcar no meio-campo e chegar à frente, Parreira acha que ele não pode fazer a função do Ronaldinho Gaúcho. Isso é fato.
Mas Alex é tão craque que não deveria ficar de fora do elenco. Além de ser o principal reserva para o Kaká, se voltar o esquema anterior, Alex é o melhor cobrador de escanteios e de faltas para a área. Ronaldinho Gaúcho e outros são excelente nas faltas cobradas diretas para o gol.
O melhor cruzamento em bolas paradas é o que a bola vai em curva, com grande velocidade, sem subir tanto, fugindo ou indo em direção ao goleiro e caindo próximo da pequena área. Se a bola sai do goleiro, como acho melhor, pega o atacante de frente para cabecear. Se a bola vai para o goleiro, alguém toca de cabeça e desvia sua trajetória. Isso é terrível para a defesa.
Nas duas situações, se o goleiro sai do gol, fica no meio do caminho e ou tromba com vários jogadores. Por isso, discordo da maioria que viu falha do Dida no gol do México. Se ele saísse e não pegasse a bola, seria também criticado. A coerência não é uma qualidade comum do ser humano.


Terceiro olho

Atlético-PR e São Paulo sufocaram o Chivas e River Plate e conseguiram ótimas vantagens.
Os técnicos brasileiros estão utilizando mais a marcação por pressão, no outro campo. É a blitz. Não dá geralmente para fazer isso durante os 90 minutos. Mas o Atlético-PR fez. Muitas vezes também não dá certo porque diminuem os espaços no campo do adversário, como aconteceu com o Fluminense no jogo contra o Paulista.
A importante presença do Souza no segundo tempo contra o River Plate foi mais uma evidência de que, em um time que joga com três zagueiros e no ataque, é melhor escalar de ala um meia do que pedir para um lateral ou um volante improvisado avançar mais do que o habitual. Os técnicos fazem pouco isso.
Já na Argentina, com a vantagem de dois gols, será melhor escalar de inicio o Souza ou um marcador?
Danilo foi novamente importante. Ele é um desses meias mais lentos, que pega pouco na bola, que é chamado de sonolento como Alex, mas que é criativo, passa, cruza e finaliza bem. As suas deficiências são mais valorizadas do que suas virtudes.
Além das cobranças excepcionais de pênaltis e faltas, Rogério Ceni é o líbero do São Paulo. Quando o time está no ataque e os defensores adiantados, ele faz a cobertura em caso de contra-ataque.
Para fazer isso bem, como fazem Rogério Ceni e raríssimos goleiros, é preciso ter um olho no passe e na bola, outro no posicionamento dos zagueiros e dos atacantes, e um terceiro olho, o de dentro, da percepção, da imaginação e da intuição.

(Coluna do Tostão - 26/6/2005)

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Ana Paula Oliveira: bandeirinha


Ela dá impedimento. E não vaiam


ENTREVISTA - Ana Paula Oliveira: bandeirinha

Valéria Zukeran


Quando ela entra em campo, é inevitável um murmúrio no público masculino. O jogo começa e muitos olhares se dirigem para uma das linhas laterais onde ela está, não para o centro do gramado. Ana Paula Oliveira já se tornou personagem de destaque no futebol brasileiro. Felizmente, não só pela beleza, mas principalmente por sua incontestável eficiência como auxiliar de arbitragem.

Os primeiros cinco minutos com ela fazem desaparecer qualquer idéia de que Ana Paula seja uma deslumbrada. Ela chega ao local marcado para a entrevista de cara limpa, calça jeans, camiseta e tênis. Não reclama com o pedido do fotógrafo de aproveitar a boa luz das 16 horas e a paisagem de uma praça para continuar a sessão de fotos que havia começado às 9 horas durante sua aula de musculação. Na hora da pose, fica em frente a um casal de namorados que se beijam. Dá um suspiro e uma declaração tão espontânea quanto desconcertante. "Faz tempo que não dou um pega desses", admite. "Ando fazendo tanta coisa que estou sem tempo de namorar."

O desabafo não é charme. Quando não está viajando para atuar como auxiliar de arbitragem no Campeonato Brasileiro, Ana Paula precisa se dividir entre a preparação física, o trabalho na Prefeitura de Hortolândia (cidade da região metropolitana de Campinas), aulas de inglês, compromissos profissionais, seu site na internet (www.anapaulaoliveira.com.br) e o curso de jornalismo na Faculdade Hoyler, de bolsa semestral. Isso quando não participa dos trabalhos de uma entidade assistencial na sua cidade ou apita em algum evento no fim de semana.

No dia da entrevista, tinha passado por três cidades (Campinas, Valinhos e Hortolândia) para cumprir os compromissos. Conta que essa rotina afetou o relacionamento com o namorado de Goiânia, que ficou mais distante.


INFÂNCIA HUMILDE

Mas Ana Paula não reclama. Conta que nasceu há 27 anos na zona leste da capital e já passou dias difíceis. Aos 5 anos, mudou-se para Sumaré (hoje , o local pertence ao município de Hortolândia), por causa do novo emprego do pai. Na adolescência, vendia laranjas pela rua, coxinhas em campos de futebol amador ou trabalhava como camelô para completar a renda familiar. A situação financeira foi decisiva para que ingressasse na arbitragem aos 14 anos.

"Meu pai era árbitro e a gente nem acompanhava. Não gostava. Entrei no futebol por acaso", reconhece. Certa ocasião, o pai precisou de alguém para o trabalho de anotador da súmula em um jogo da liga amadora da cidade, o que renderia um dinheiro para as despesas da casa. "Eu fui, mas não que eu gostasse", lembra Ana Paula. "Eu não sabia o que era carrinho, o que era jogo bruto. Eu não conhecia nada disso."

O dinheiro no bolso e o incentivo dos colegas do pai fizeram com que Ana Paula entrasse para o curso de conhecimento das regras. "Diziam: 'Vai lá Ana Paula, faz o curso. Não precisa ir para o campo e a gente cuida de você. Vem que não vai ter perigo.'" Mas acabava sendo escalada para atuar como bandeirinha, se alguém se atrasava. "Foi quando eu comecei a pegar gosto e deixei a mesa para trabalhar de assistente", recorda.

Ana Paula confessa que jamais pensou em arbitragem como profissão. Quando a Federação Paulista de Futebol abriu curso feminino, sua reação não foi de entusiasmo. "Eu tinha 18 anos e disse para os meus colegas: 'Gente, isso não é para mim não.'" Fez a prova sem compromisso. Outra vez, o destino interferiu. "Na época tive de optar: ou fazia faculdade de educação física ou fazia escola de árbitros. Como minha família tinha passado por grave problema financeiro e eu teria de largar meu emprego para estudar, optei pelo curso de árbitro."


BELEZA E PRECONCEITO

Na escola, a primeira aula não foi animadora. "Meu professor perguntou: 'Você está aqui para ser árbitra ou para usar o futebol como trampolim para outra carreira?'" A resposta: "Estou aqui para aprender e se for o meu dom vamos saber com o tempo. Mas não tenho intuito de seguir outra carreira."

Depois de convencer os professores de que levava a arbitragem a sério, Ana Paula encontrou segundo obstáculo: sua beleza. O problema rendeu histórias engraçadas. "Teve uma partida de equipes juniores em que o jogador fez o gol, ofereceu-o a mim e foi comemorar comigo." A Federação se preocupou com o risco de o trabalho não ser levado a sério. "Com o tempo fui convencendo as pessoas de que eu gostava daquilo e queria conquistar respeito pelo trabalho", revela.

Se o preconceito em certos momentos foi motivo de riso, em outros causou revolta. Ana Paula afirma que o começo nas divisões de acesso profissional foi difícil. "Depois do jogo, o diretor do time que perdia reclamava. 'Mulher apitando só podia dar nisso.' Mas não via que o centroavante dele perdeu um gol, que o zagueiro furou, que o goleiro era frangueiro..."

Ana Paula conta que o tratamento melhorou quando passou a atuar na 1ª Divisão e mostrou competência. "Mudou da água para o vinho. Hoje eles me dão os parabéns e falam que estão tranqüilos." Essa mudança, no entanto, não impede que seja pressionada. Emerson Leão, por exemplo, é o técnico mais escandaloso, "cirquento". Mas que o que lhe traz mais dificuldades é Estevam Soares. "Resmunga o tempo todo", entrega. "No último jogo só parou quando disse que estava tirando minha concentração e se o time tomasse gol era culpa dele."

As cantadas em campo diminuíram. Mas Ana Paula se diverte contando sobre um jogador que aguardava a recuperação do goleiro adversário para cobrar escanteio e perguntou se tinha namorado. Ela questionou a curiosidade. "Ah. A gente poderia combinar uma coisa depois do jogo", ele respondeu. Ana foi ríspida. "Se limita a jogar bola. Olha lá! O juiz autorizou, bate o escanteio." Segundo ela, o "pretendente" obedeceu e depois do jogo foi se desculpar. Não sem deixar de emendar: "Se quiser, realmente estou disposto a sair com você."

OBJETIVOS

Ana Paula, porém, garante que hoje tem pouco tempo para admiradores. O trabalho a absorve, sobretudo porque estabeleceu nova meta na carreira, depois de ter ido à Olimpíada, no ano passado, em Atenas. "Meu objetivo é uma Copa. Não vou dizer que é a de agora, em 2006, porque está em cima e eu preciso aprimorar não só o inglês como a parte física. Preciso correr o que os homens correm", avalia."Mas quero estar, sem dúvida,em 2010, na África."

Ana Paula diz que, hoje, corre 2.550 metros em 12 minutos, e deve chegar a 2.700 metros no mesmo tempo para ter chances de ir à Copa. Para isso, toma aulas com uma personal training e faz musculação, além do curso de inglês. "Faço 50 metros em 7 segundos. Consegui igualar os homens na prova de explosão, agora falta a de resistência."

Após o fim da carreira, Ana Paula pretende ser jornalista. "Nada para agora. Mas já vou usando o que aprendo no meu site" . Por enquanto, aproveita as oportunidades. Revela detalhes sobre o ensaio que fez para a revista VIP, cujas fotos foram escolhidas pela FPF. "Não ganhei um tostão. Mas foi ótimo para me tornar mais conhecida." E quanto a posar nua? "Eu digo não, porque eu estou focando uma coisa, mas não vou dizer nunca. Não seria bom pelo que estou conquistando no futebol. Não é o momento."

MANOS

Apesar da rotina agitada, Ana Paula diz que ainda apita jogos amadores em Hortolândia, cidade com alto índice de criminalidade. "Me orgulho de dizer que ninguém mexe comigo nos bairros dos manos", observa. "Eles me respeitam porque sempre fui correta com eles." Isso, porém, não evita que Ana Paula conheça de perto a violência.

"Tinha um colega, o Marquinhos, que apitava jogos comigo. Estava sempre sem dinheiro, mas nunca vi nada demais", recorda. "Em março do ano passado, durante uma partida entre dois times de bairros barra-pesada, ele foi bandeirinha e apontou uma falta. O pessoal do time prejudicado foi para cima dele e não parava de agredi-lo com chutes e socos. Tive de me abraçar a ele para o pessoal parar", lembra. "Quando voltei da Olimpíada, soube que foi assassinado com cinco tiros na cabeça. Dizem que foi por dívida com drogas, menos de R$ 1 mil."

Outra preocupação de Ana Paula é com o futuro da arbitragem feminina. "Eu digo às meninas interessadas que, se elas pensam na arbitragem como trampolim, é melhor procurar outra coisa." Ana Paula diz que o assunto a preocupa porque sabe que as meninas da nova geração são muito bonitas e serão assediadas em campo. "Então é importante que elas tenham consciência."

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