Um Olhar Crônico Esportivo

Um espaço para textos e comentários sobre esportes.

<

sábado, setembro 16, 2006

Passe x Drible

O São Paulo jogou duas vezes contra o Boca Juniors, pela RECOPA Sul-Americana, e perdeu o primeiro jogo, empatando o segundo e perdendo o título. O Boca jogou melhor nas duas vezes, tanto na vitória em Buenos Aires, no La Bombonera, como no Morumbi, quando, tal como lá, virou o jogo, vindo a sofrer o empate já no final.

Esses dois jogos renderiam muitos textos, muitas considerações, inúmeras discussões. Nada que me interesse nesse momento, pois uma característica presente nesses dois jogos ficou muito marcada: o passe. A qualidade e regularidade do passe do time argentino.

“Toco y me voy”

Desde pequeno ouço falar na escola argentina, do futebol elegante, a bola tocada com categoria de pé para pé, a escola do “toco y me voy”. Se cresci ouvindo e lendo sobre essa escola, vivi o tempo todo sob a magia e a tirania do drible, um elemento característico nosso, do jeito brasileiro de jogar, não da escola brasileira, pois, a meu ver, não temos uma escola, mas um jeito de jogar bola.

Gosto do drible, claro. Um drible bonito é um momento meio mágico. Alguns dribles são pura magia. O drible em velocidade no rumo do gol adversário é o mais emocionante. O drible atrevido e confiante para limpar uma jogada na própria defesa é o mais emocionante, pela mistura de medo e encantamento. O drible bonito na jogada morna de meio-campo é só isso, um drible bonito, uma exibição de habilidade.

O drible, contudo, não é permitido a todo jogador. Pelo contrário, saber driblar é privilégio de poucos e bons, e a maioria desses poucos é brasileira. O drible, também, é um lance sujeito a chuvas e trovoadas, sua margem de erro é grande, e a possibilidade de seqüência é, hoje em dia, muito reduzida. Um jogador habilidoso sempre tem um defensor a mais na cobertura do que faz o primeiro combate. E driblar dois defensores é muito mais difícil do que apenas um. Boa parte dos dribles requer espaço e tempo para sua realização, dois produtos em falta acentuada no mundo do futebol. Ao contrário do jogo de vinte, trinta e mais anos atrás, onde, apesar da dureza da marcação, o craque sempre tinha maior possibilidade de brilhar porque a velocidade do jogo e dos jogadores não era suficiente para reduzir o espaço e o tempo como se dá hoje.

O drible, hoje, é um presente, é um bônus, é um lance mágico para ser degustado com prazer, ocasionalmente.

O passe, não. O passe é o fundamento básico do futebol. E tem de ser. Às vezes esquecemos ou sequer pensamos em algo tão obvio, como o fato do futebol se desenvolver num campo imenso, por onze jogadores de cada lado, misturados, espalhados, perdidos no que pode ser uma imensidão, no que às vezes parece um latifúndio. É o passe que encurta as distâncias e permite à bola chegar ao objetivo final do jogo, o gol.

Fui feliz. Ia ao Morumbi ou ao Pacaembu, Vila Belmiro e outros estádios, e via Gerson fazer um passe de 40 ou 50 metros para Terto ou Toninho. No mesmo jogo podia ver Pelé driblar.

Como?

Ah, sei, passe de 40 ou 50 metros é lançamento? Isso pode ser verdade hoje, mas para Gerson era um passe, um pouco mais longo, é bem verdade, mas era um passe.

Naquela época os argentinos já praticavam há muito seu jogo bonito, com passes bem feitos em progressão rumo ao gol. Nós, brasileiros, driblávamos.

Hoje, como dantes, “toco y me voy” é a tônica do jogo do Boca, melhor time argentino novamente. E os times brasileiros apresentam números absurdamente altos de passes errados.

O jogo do Boca flui com leveza e objetividade porque a bola segue de pé para pé sem atropelo, sem crise, na velocidade e direção corretas, facilitando o recebimento e o controle da bola, o que vai permitir, na seqüência, novo passe feito igualmente com qualidade. Assim ele jogou contra o São Paulo, e mesmo sofrendo o primeiro gol nas duas oportunidades, em momento algum mudou seu jeito de jogar, ou precipitou-se atabalhoadamente para o ataque. Na base disso, o passe.

Que ao contrário do drible não é privilégio de poucos e bem dotados. O passe correto está ao alcance de todo e qualquer jogador de futebol. Privilegiar o passe, ter onze jogadores passando bem a bola, significa jogar com maior qualidade e objetividade, significa ter maior controle do jogo. Ter controle do jogo pode ser e pode não ser a mesma coisa que posse da bola. É muito comum vermos um time com maior posse de bola e, mesmo assim, não ter a menor efetividade, não levar perigo algum ao gol adversário. Já um time que passa bem a bola, de pé em pé, perde menos a sua posse e chega à área adversária mais “inteiro”, menos cansado, mais preparado para um bom arremate. Logicamente, é também um time menos sujeito ao mortífero contra-ataque em velocidade, que quase sempre nasce de um passe mal-feito.

Passe é fundamental. Um time sobrevive, avança e é campeão sem driblar. Mas um time que se baseia no drible nem sempre chegará tão longe. Proporcionará momentos de brilho e prazer, é verdade, mas muitas vezes vai ficar limitado a isso.

.

Marcadores:

<

segunda-feira, setembro 11, 2006

Quando o impossível acontece


A vida e a história oferecem milhares de belas metáforas para a vitória corintiana, para a derrota são-paulina e até para o resultado real, o empate em 0x0, trágico para o São Paulo e seus 11 jogadores, glorioso para o Corinthians e seus 9 jogadores durante 70 minutos. Não escolhi nenhuma, não vou usar nenhuma.

Esse jogo, com esse placar chato, aborrecido, de 0x0, foi rico em exemplos e possibilidades. Foi um jogo à perfeição para o reinado da palavra “se”...

Duas bolas do São Paulo chocaram-se contra as traves corintianas. No final de cada tempo de jogo, Rafael Moura surgiu livre à frente de Rogério Ceni. Gol, com certeza. Não, não foi gol, nenhuma das vezes foi gol. O primeiro chute foi defendido muito bem por Rogério. O segundo, numa tentativa de encobrir o goleiro, passou por cima.

E o São Paulo teve várias outras chances, mas nenhuma foi concretizada.

Em campo, o líder isolado do campeonato há muitas rodadas enfrentou um time que passou por um desmanche e que vive uma crise aguda, permanente, desde o início do mesmo campeonato. Um time comandado pelo seu quarto treinador nessa temporada. E que habitou as últimas colocações da tabela por muitas, muitas rodadas.

Com 5 minutos de jogo, uma expulsão.

Mais 20 minutos e outra expulsão.

De repente, um time com 9 jogadores e outro com 11.

Tão de repente que o líder isolado perdeu-se, não soube jogar, ficou nervoso.

E o nervosismo espalhou-se do campo para o banco e para a Comissão Técnica. E espalhou-se pela torcida no estádio e nas casas, assistindo pela televisão. Um nervosismo palpável, traduzido em erros de passes, em faltas seguidas, em bolas alçadas sobre a área para zagueiros soberanos, de frente para as bolas, bem postados, determinados.

A cada ataque perdido, um crescimento do ânimo da torcida, de um lado. E um crescimento na impaciência, no nervosismo, na ansiedade no outro lado.

E assim prosseguiu o jogo até seu final. Dramático, disputado, valorizado.

O time do Corinthians saiu de campo flutuando em brancas e rechonchudas nuvens, embalado pelos gritos da torcida, orgulhosos do resultado que mantiveram com garra e muito trabalho. Vitorioso.

O time do São Paulo saiu incrédulo. Assim como a torcida.

Muita gente ainda não consegue acreditar no que aconteceu.

Confesso, é mesmo muito difícil acreditar.

Mas isso é futebol.

Tal como a vida, simples na essência e complexo na riqueza de detalhes.
Por ser como a vida, no futebol existe o empate.
E por tudo isso existe o 0x0.

Que pode ser mais rico e infinitamente mais interessante que uma goleada.

Porque no futebol é impossível existir o impossível.

.

Marcadores:

<

domingo, setembro 10, 2006

TimeMania – uma dúvida a mais

Me tire uma dúvida ou eu porei uma em vc: essa coisa de o apostador pôr o seu time de coração no volante e desse resultado sair o reparte de cotas não é meio vaga?
Será essa a melhor forma de dividir o bolo?”

Essa questão muito pertinente foi levantada pelo Lédio nos comentários do post “Pitacos TimeManíacos”.

Lédio, a divisão do bolo ainda vai dar muito pano pra manga.

Pelas palavras do ministro (que podem valer algo ou valer nada, como bem o sabemos), haverá uma divisão básica do bolo, onde o valor X será dividido por 20 clubes. A idéia é deixar um percentual – a ser definido – como um bônus, um prêmio aos times mais listados no “Clube do Coração”. Teremos, portanto, um X menos Y. O valor de Y terá de ser definido.

E, independente disso, na Comissão de Regulamentação vai haver ainda muita luta para aumentar a fatia dos clubes "de massa" em todas as divisões. Não vejo muita chance de uma divisão diferenciada, por tudo que foi dito até hoje entre os políticos e técnicos, e mesmo o pessoal dos clubes.

A briga vai ser grande. O bolo tem um tamanho que não tem como ser mexido. Logo, se você come mais um teco do bolo, eu terei de comer menos. Se o teu teco a mais for grande, muitos outros terão pedaços menores. E a chiadeira vai ser maior ainda. Encontrarão os membros da Comissão de Regulamentação o limite do razoável? Teremos um modelo decente de distribuição de renda, digno de ser imitado pelo país como um todo no item mais cretino e criminoso de nossa realidade?

A argumentação dos dirigentes de grandes clubes já é velha e conhecida, mas se ela fosse tão verdadeira e eles tivessem tanta certeza a respeito, o que os impediu até hoje de lançarem seus próprios mega-projetos?

O sucesso dessa loteria, se houver, será em função do conjunto da obra do futebol brasileiro. Mesmo os times de pequenas torcidas têm um papel importante no bolo, pois uma loteria de sucesso depende de muita gente motivada apostando nela. Isso inclui, também, os torcedores do São Caetano e do Juventude.

Resumindo:

- como será a divisão do bolo?

- qual será a fatia do bolo para o “Clube do Coração”?

Lembrando que na 2ª e na 3ª Divisão temos clubes de grandes torcidas: Atlético Mineiro, Sport, Bahia e Vitória, por exemplo. Vão querer ganhar mais que o Marília (baita injustiça) e o Ananindeua. E tome briga.

A Comissão de Regulamentação, só para recordar, será formada por técnicos da CEF, Ministério dos Esportes, Receita Federal, Clube dos 13 e Sindicato dos Clubes. Com certeza o povo da FBA e o pessoal da 3ª vão querer fazer parte da Comissão. Márcio Braga brigou e faz parte, mesmo antes da Comissão existir oficialmente. É justo, cada um tem que lutar por seus direitos nos foros adequados e de forma democrática.

Agora, é aguardar pelos trabalhos da Comissão. Assunto não vai faltar.

Portanto, Lédio, não só a dúvida persistiu, como se reproduziu, com certeza. Temos, agora, toda uma família de dúvidas.

.

Marcadores: