Um Olhar Crônico Esportivo

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sábado, janeiro 26, 2008

Gramados e pastos

Em volta de casa, no sítio, tem um gramado. É simples, claro, foi formado por um pessoal que chegou num caminhão com os rolos de grama e terra que foram abertos sobre o terreno todo revolvido, com restos, ainda, da velha vegetação. Pegou bem, tá lá até hoje, e posso dizer que bem bonitão. Desisti de ficar passando a roçadeira nele, deixei essa tarefa a cargo do Brioso, meu cavalo que mora no sítio e é responsável pelo Departamento de Transportes Internos. Ou, pra falar sem frescura, é o cavalo que traciona a carroça com que trazemos cana para as vacas e outras tarefas. O Brioso passa parte do dia no gramado. Em decorrência disso, ele, digamos, deixa o gramado bem adubado, tanto na forma sólida como na líquida, o que é bom – para o gramado – e é ruim – para nós, bípedes que por lá circulamos. É bom, também, para os besouros, que carregam parte do adubo do Brioso para baixo da terra.

Ora, com tudo isso, posso dizer de boca cheia que é um bom gramado para a prática do esporte bretão que consagrou Ameli. Ou seria, se fosse maior e ficasse num terreno plano. Por isso, e muito mais, fiquei espantado quando, da minha brega cadeira de tirinhas plásticas na sala do sítio, vi o gramado em que Ituano e São Paulo disputavam um jogo pelo Paulista 2008. Aquilo era tudo, menos gramado. No dia seguinte, o presidente do Ituano veio a público e pediu desculpas ao São Paulo e ao Rogério Ceni pelo estado do que deveria ser um gramado. Francamente...

Algumas pessoas, ou muitas, chamaram-no de “pasto”. Puro desconhecimento, pois pasto implica em presença abundante de capim ou grama, o que não acontecia ali. Pasto é o meu gramado, regular e metodicamente comido pelo Brioso e alguns bezerros, de vez em quando.

De novo nessa história do gramado em que se jogou uma partida oficial de futebol, apenas o elegante pedido de desculpas do presidente do Ituano. A situação em si é velha, chata, repetitiva e presente em todo o território nacional, de norte a sul, de leste a oeste, nas melhores e mais badaladas casas, como os campeonatos Paulista e Carioca, assim como nas menos badaladas, como os torneios de várzea Brasil afora. Jogadores se contundem com gravidade, outros nem tanto, bolas são perdidas, passes saem bisonhos, gols são tomados por uma bola desviada, etc, etc, etc.

Olhando para o pasto do meu cavalo, digo, para o gramado da minha casa de roça, pergunto-me como e porque dirigentes públicos e privados deixam que o que deveriam ser tapetes verdes, transformem-se em áreas impróprias até para o pastejo de alimárias diversas. Um bom gramado não exige segredo algum, apenas um mínimo de cuidados e bom senso. É mais barato fazer uma boa e rigorosa manutenção do que implantar um novo gramado. Isso é fato, financeiramente simples e comprovável.

Então, por que?

Por que tratamos tão mal o futebol?


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ECA – algumas considerações e informações


Tomando por base os velhos aprendizados do meu tempo de militância política, e mais as informações recebidas d’além-mar nos últimos anos, cheguei à conclusão (talvez equivocada, é claro, mas é a minha conclusão) que a criação da ECA – Associação Européia de Clubes – foi uma derrota para os clubes e uma vitória para a burocracia das confederações nacionais européias, e, principalmente, para as poderosas FIFA e UEFA.

Como já disse há alguns posts, o G 14 era uma pedra no sapato das poderosas matronas européia e mundial. Atuava à margem das duas, sem ingerência, com plena liberdade, movido pelo mais poderoso dos combustíveis: o bolso. Não custa repetir o já sabido: o G 14 nasceu como um bloco de pressão contra as seguidas convocações dos principais jogadores dos maiores clubes do mundo, sem que por elas fossem ressarcidos. Como é natural nesses casos e situações, o G 14 tornou-se palco e ao mesmo tempo agente para reivindicações as mais diversas, extrapolando sua razão de ser inicial.

Também natural foi o surgimento de dissenções em seu interior, mais visíveis depois da eleição e posse de Platini à frente da UEFA. Um de seus membros mais destacados, o Bayern Munchen, tentou retirar-se do grupo, mas acabou permanecendo. Naturalmente, também (tudo é muito natural no mundo da alta política, já repararam?), o presidente do Conselho Executivo Provisório da ECA é o presidente do Bayern Munchen, Karl Heinz Rummenigge, que, ao que parece, pelo menos para quem está distante, é velho aliado, além de velho amigo, de Michel Platini.

Blatter, Platini e, com certeza, Rummenigge, manobraram com precisão, elegância e discrição e conseguiram a criação da nova associação. Em tese, ela é mais poderosa, mais forte, mais presente que o G 14. Em minha opinião, todavia, apenas em tese, pensamento ditado por velhas máximas da política, como dividir para reinar, e quanto maior um organismo, mais dividido ele é. Nesse ponto, uma análise mesmo que superficial de estruturas como PMDB e PT servem como excelente exemplo para essas afirmações. Vamos, então, ver como é essa recém-nascida ECA.

(Pensando na economia de energia – a minha –, vou permitir-me a transcrição pura e simples de trechos do texto da UEFA a respeito da mesma. Troquei apenas algumas palavras em relação ao português de Portugal. Os trechos estão entre aspas e os negritos são, também, desse blogueiro.)

Quem constitui a ECA

A ECA, como órgão independente e autônomo representante dos clubes europeus, resulta da vontade das 53 federações filiadas na UEFA. A ECA deverá ser composta, no seu início, por 103 clubes, devendo o número preciso de emblemas representantes de um dado país ser estabelecido a cada dois anos, no final da temporada da UEFA, tendo como base o ranking da UEFA dos países filiados, de acordo com os seguintes critérios: as três federações com melhor ranking terão cinco clubes; as três seguintes, quatro clubes; as federações colocadas do sétimo ao 15º lugar, três clubes; as federações classificadas do 16º ao 26º lugares, dois clubes; e as restantes federações, um clube.

Direção provisória e clubes fundadores

Ficou acordado que a ECA terá um conselho executivo provisório, que representará o novo organismo e os 16 clubes seus fundadores até a próxima assembléia-geral, que terá lugar no final da temporada, altura em que serão realizadas eleições para o novo Conselho Executivo. O Conselho Executivo da ECA será composto por 11 membros, mais quatro representantes indicados pelo Conselho Estratégico Para o Futebol Profissional da UEFA. A ECA também fornecerá metade dos membros do Comitê de Competições de Clubes da UEFA.

O Conselho Executivo provisório da ECA é composto pelos seguintes membros: Karl-Heinz Rummenigge (presidente; FC Bayern München), Joan Laporta (vice-presidente; FC Barcelona), Umberto Gandini (AC Milan), Peter Kenyon (Chelsea FC), Marteen Fontein (AFC Ajax) e Jean-Michel Aulas (Olympique Lyonnais). Os 16 clubes membros fundadores são os seguintes: Real Madrid CF, FC Barcelona, AC Milan, Juventus, Olympique Lyonnais, Rangers FC, Manchester United FC, Chelsea FC, FC Bayern München, AFC Ajax, FC Porto, Olympiacos CFP, RSC Anderlecht, Birkirkara FC, NK Dinamo Zagreb e FC København.

Receitas e limite de jogos

Como parte do Memorando de Entendimento (nome dado ao acordo de que resultou a criação da Associação - nota do blog) foi acordada a distribuição, a cada quatro anos, de uma verba proveniente das receitas do Campeonato da Europa para as federações filiadas na UEFA para que estas, por seu turno, distribuam montantes pelos clubes que tenham contribuído para um certame bem-sucedido, mercê da cessão dos seus jogadores. A distribuição a ser feita após o UEFA EURO 2008™ terá o valor previsto de 43,5 milhões de euros, sendo que o relativo ao UEFA EURO 2012™ é estimado em 55 milhões de euros (desde que os resultados financeiros sejam substancialmente semelhantes aos do UEFA EURO 2008™). Os pagamentos deverão ser feitos numa base de “diária por jogador”. O valor de 43,5 milhões de euros a serem distribuídos após o UEFA EURO 2008™ é dividido pelo número total de dias da prova, o que dá uma diária por jogador de aproximadamente quatro mil euros. Para o UEFA EURO 2012™, está previsto que este valor se aproxime dos cinco mil euros.

Seis jogos por jornada
Assim como há benefícios financeiros directos do EURO para os clubes, o Memorando de Entendimento também assegura que a UEFA deverá, sempre que possível, organizar fases de apuramento para o Campeonato da Europa com um máximo de seis jornadas.




Quatro mil por dia só?

Quatro mil euros por dia e por jogador convocado.

Bom?

Muito bom?

Excepcional?

Ou quase uma enganação?

Esse é o valor que será pago aos clubes europeus pela UEFA por jogador convocado para sua seleção nacional européia. Em sua recente palestra em São Paulo, o vice-presidente do Barça responsável por finanças, Ferran Soriano, disse que nos clubes de ponta europeus – praticamente todos os membros do praticamente extinto G 14 – ganham no mínimo um milhão de euros por ano. Esse valor, contudo, é recebido apenas pelos membros do elenco que estão em início de carreira e que são poucos.

Uma conta simples leva-nos ao valor de quase três mil euros por dia para esses jogadores. E deixa a informação que a maioria dos jogadores ganha muito acima desse patamar de três mil euros por dia.

Ora, é sabido que às seleções nacionais interessa apenas o crem de la crem, a nata, a elite, os selecionáveis, em suma, e esses já deixaram o irrisório salário de três mil euros por dia para trás há muitos, muitos euros. Cristiano Ronaldo, por exemplo, não ganha menos de quinze a vinte mil euros por dia. Thiery Henry ganha perto de trinta mil euros por dia. E por aí vai com inúmeros outros jogadores, todos eles, sem dúvida, convocados para todas as datas-FIFA, para todos os jogos classificatórios e eliminatórios de Eurocopa e Copa do Mundo, além das próprias competições em si.



Apesar dos discursos de Laporta, Galiani e outros dirigentes, fico com a minha impressão inicial: uma vitória de Pirro para os clubes, uma grande vitória para a UEFA e FIFA e a garantia de mais poder por mais tempo para sua burocracia. Outra coisa que se aprende nas lides políticas e no estudo da história, é que as burocracias acabam transformando os estados e, nesse caso, as entidades, em seus servidores, invertendo a razão de ser de sua existência.


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