Um Olhar Crônico Esportivo

Um espaço para textos e comentários sobre esportes.

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sexta-feira, março 17, 2006

Direção, eis a diferença


1 - (A leitura desse comentário será melhor se, além de tudo que o Lédio já escreveu aqui, também forem lidas as colunas de hoje do RMP e Calazans.)
Sobre esse tema já escrevi algumas e já teve gente que não gostou e gente que não concordou. Mas, vamos lá. Nessa semana saíram os números extra-oficiais do balanço 2005 do São Paulo. O clube deve fechar o ano com lucro real, sólido, sem artifícios, de 4 milhões de reais. Para isso contribuíram as vendas de Cicinho e Rodrigo e as premiações da Libertadores e Mundial. Em 2006, pela primeira vez em sabe-se lá quantos anos, as receitas já acertadas do clube serão suficientes para que o ano feche no azul sem vender um só jogador. Se isso ocorrer, o dinheiro poderá ser todo utilizado na contratação de novos jogadores. Tudo isso sem parceria alguma em nenhum momento de nossa história. O São Paulo sobrevive, vive e cresce por suas próprias pernas. E como conseguimos isso?


2 - As receitas do São Paulo não são diferentes das receitas de Flamengo, Corinthians, Palmeiras e Vasco. Cito esses quatro porque eles têm a mesma participação no dinheiro da televisão, hoje a maior e mais segura fonte de renda dos times. Somente nesse ano nosso patrocínio é maior, em valor, ao de Flamengo e Corinthians, tanto no patrocinador geral como no contrato com os fornecedores de uniformes. Ao longo dos temos nos mantido na elite dos principais times do país graças à tevê, graças à venda de jogadores formados em nossas divisões de base e quase que só, pois nossa renda de bilheterias em boa parte desses anos foi inferior à mesma renda obtida por Flamengo e Corinthians. Exceto no tocante à Libertadores, onde, aí sim, nossas bilheterias impressionam e ajudam a fazer diferença no balanço. Mas estar na Libertadores é fruto de conquista no campo, aberta a todos, portanto.


3 - Olhando o panorama do Rio de Janeiro e também de São Paulo – a entrada da MSI salvou o Corinthians, que, financeiramente, estava numa situação calamitosa, para dizer o mínimo – e pensando a respeito do porque o São Paulo estar assim e não assado, a razão de fundo, a razão que gera todas as outras, é uma só: direção e fiscalização. O São Paulo em momento de eleição parece uma desgraceira, tantos são os grupos e acusações. Felizmente, e também por conta de um Conselho Deliberativo terrível, terrivelmente fiscalizador – e nem falo em pessoas honestas e de caráter, pois pessoas assim não são privilégio de um clube, estado, partido ou país, elas existem por toda parte – as acusações são mais na linha das picuinhas do que qualquer outra coisa. Não duvido que, sem fiscalização ou se ela fosse frouxa, não tivéssemos em algum momento alguém querendo tirar proveito do clube em beneficio próprio.


4 - Outra coisa importante: a rotação de pessoas. Dentro de um mês, o dirigente mais vitorioso do atual futebol brasileiro vai deixar o clube, depois de ficar à frente dele por meros 4 anos. Pouco, né? Mas muito para ele mesmo e, principalmente, para sua família. Dirigir um clube do porte do São Paulo é tarefa que consome demais, e agora o Marcelo Portugal Gouvêa vai dar uma parada e descansar. Até duvido que ele fique afastado muito tempo, mas se porventura voltar não será para uma função executiva. Outra pessoa dirigirá os destinos do São Paulo nos próximos 2 anos. Não importa que seja do mesmo grupo político, não importa que já faça parte da administração atual. É plenamente legítimo que assim seja. O que importa é que não há e não haverá perpetuação no poder de uma só pessoa. O que importa é que os atos do presidente são analisados e julgados, até.


5 - O que importa é que, tirando planos e detalhes contratuais que devem permanecer em sigilo, a administração é transparente no tocante às receitas e despesas. O São Paulo foi o clube que mais atletas negociou com clubes do exterior, com algumas vendas atingindo valores fabulosos – como a de Denílson. Porém, assim mesmo, o clube passou incólume por duas CPIs. O Banco Central nada te m contra o São Paulo, assim como o INSS. (Com o BC houve um problema de multa por uma operação financeira que o São Paulo e seus advogados julgaram legal e o BC achou que não, mas a operação em si estava registrada devidamente; e há uma pendência judicial com o INSS por conta de valores que o INSS julga que o clube deveria pagar e o clube acha que não tem porque, direito, aliás, que assiste qualquer empresa, qualquer clube; seja como for, há dotação orçamentária reservada para esse fim.)


6 - Portanto, Lédio e amigos, tirando uma só, eu não vejo diferenças de fundo ou privilégios a favor do São Paulo, quando comparado aos quatro clubes que já citei: Flamengo, Corinthians, Vasco e Palmeiras. Temos, até, a desvantagem de bilheteria em dois casos. E essa única diferença é a diferença que, em minha opinião, faz toda a diferença: gestão, direção. Tem gente que acha que enfraquecer o futebol carioca, ou ver o futebol paulista afundar, seja bom. Pura burrice, é isso que é tal pensamento. Um futebol carioca forte e sólido, ao lado do paulista e outros grandes centros como Porto Alegre e Belo Horizonte, permitiria que nosso futebol como um todo fosse muito melhor, muito mais poderoso do que a simples soma de seus participantes. Times fracos, clubes endividados, quase inviáveis, só interessam a quem se beneficia de tal fraqueza, de tanta debilidade. Dois segundos de raciocínio são suficientes para sabermos a quem interessa tal fraqueza.


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quinta-feira, março 16, 2006

Eu sou um deles - Nando Reis


Essa crônica do Nando Reis foi publicada no Estadão de hoje e reflete direitinho o que eu penso, como me comporto. Eu sou um deles, também.


"Estávamos assistindo à Mesa Redonda da Gazeta, eu, Theodoro e Sebastião. É um costume antigo, clássico familiar, curtir as resenhas esportivas do domingo à noite. Havíamos comido pizza com meu pai, que voltara de Jaú. Em ordem inversa, tínhamos assistido a São Paulo e Corinthians depois de almoçar fora. Eu vinha de dois importantes shows em Belém e São Luís. Findo o trabalho de dois meses de gravação do novo disco no Rio, eu estava de volta à minha casa, à minha cidade, à minha vida caseira escassa em rotina.

Como dizia, estávamos na frente da TV, assistindo à Mesa Redonda, da Gazeta. Há outros bons programas esportivos, em outras emissoras, com outros profissionais competentes e carismáticos, que também fazem o controle remoto funcionar a todo vapor. Mas a Mesa Redonda da Gazeta é diferente. Há muitos anos. Desde os tempos do Rubem Petri, Zé Italiano, Peirão de Castro e companhia. Desde a minha adolescência, quando assistia a esse circo absurdo composto por um grupo de personagens que se abespinhavam e gritavam uns com os outros para discutir os resultados do jogo da tarde de domingo. "Romão Magazines informa o tempo do jogo..."

Pois é, o São Paulo havia vencido o clássico e nós todos aqui de casa, são-paulinos hereditários, fazíamos nossa própria análise para o meu pai recém-chegado, o tricolor-patriarca, sucessor do trono que pertenceu ao grande vovô Zezé. Curtir a vitória de seu time num clássico diante de um rival tradicional é um dos maiores prazeres que se pode obter com essa fantástica fábrica de emoções que é um campeonato de futebol. Estávamos no nosso legítimo direito ao divertimento, ansiosos pelos replays do videotape.

Foi aí que se deu o fato. Na mesa-redonda, discutia-se a crise alvinegra. Demissão de técnico, segunda derrota seguida, afrouxamento das chances de título... Os debatedores argüiam e destrinchavam o ocorrido, com sua contumaz perspicácia e ênfase. Mas havia na mesa um elemento que não podia ser parcial: o sr. Roque Citadini, dirigente corintiano, que, na sua condição de oponente da atual gestão, não disfarçava seu meio sorriso por ver o circo pegando fogo. Atacava com desfaçatez a glória do triunfo que o Tricolor havia impingido ao clube a que ele era filiado. Sem ter um antagonista, a mesa passou a ser incomodamente unilateral.

O que se espera de uma noite de domingo, quando seu time vence inapelavelmente um adversário poderoso e arquiinimigo e marca os 3 pontos importantíssimos que o recolocam na disputa do campeonato? O torcedor quer ver os gols feitos, os perdidos, os pênaltis defendidos, o vestiário, os alaridos da torcida... E não ouvir apenas os choramingos agressivos de um mau perdedor, que aproveita a oportunidade para minimizar o mérito do vitorioso. Parecia até que o Corinthians tinha jogado - e perdido - sozinho! Insatisfeito e indignado, resolvi me manifestar. Mandei um e-mail para a emissora, que foi lido durante o debate. Ebulição na mesa. O sr. Roque Citadini reagiu com bom humor e rapidez à minha crítica. "Ele não gosta de mim e eu também não gosto de sua música!" Vim a saber pela direção do programa que haviam convidado membros da diretoria do São Paulo para que o debate fosse completo. O não comparecimento do dirigente são-paulino criou as condições para Citadini reinar absoluto e sem rédeas.

O que interessa aqui é tratar de como a versão do derrotado que se sente injustiçado é irritante para o vencedor que deseja estampar seus méritos aos quatro ventos. A verdade é que não há verdade que consiga aplacar a frustração da derrota. Em geral, os perdedores tentam minimizar seu prejuízo desqualificando a competência do rival. É assim em todos os campos da vida. Mas só no futebol há gente que se reúne para debater se dois centímetros fizeram ou não diferença no resultado de uma partida. E há ainda aqueles que acompanham do sofá e com exaltação essa loucura descabida.

Eu sou um deles."

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