Um Olhar Crônico Esportivo

Um espaço para textos e comentários sobre esportes.

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sábado, fevereiro 10, 2007

Guerra e Futebol


Esse é um baita monte de areia, muito maior que a pequena capacidade de carga do meu caminhãozinho intelectual. Mas, uma certa falta de bom senso aliada a uma boa dose de orgulho e pretensão, levam-me a encostar a caçamba no monte e tentar carrega-lo, ao menos em parte. Por favor, ao lerem essas linhas não o façam com o senso crítico exacerbado pela visão politicamente correta dos tempos que correm.
E dêem um desconto para o escriba.


A guerra, tirando os mortos, feridos, aleijados e toda a miséria criada ao seu redor e em seu rastro, era uma grande arte nos tempos pré-modernos. Os tratados militares eram frutos de mentes brilhantes, que neles empregavam todo o conhecimento humano até então acumulado. Como arte, ela permitia a aparição de seus próprios gênios, como Alexandre, Aníbal, Julio César, Gengis Khan, Napoleão e outros. Líderes carismáticos todos eles, capazes de levar milhares de homens a lutarem e morrerem por suas idéias e vontades. Tinham, também, visão e conhecimento das forças e das fraquezas humanas, exploravam os terrenos em que estavam, enxergavam movimentos e alternativas, tinham muito mais que noções de organização e métodos. Acho que, realmente, merecem ser chamados de gênios.

Churchill, na primeira parte de sua autobiografia reclama acidamente do fim da guerra com glamour, a guerra cavalheiresca, segundo ele encerrada juntamente com o Século das Luzes. Nessas guerras, o homem era o elemento principal sempre, ou quase sempre, pois em muitos casos os personagens-chave foram os cavalos e até os elefantes, levados por Aníbal para enfrentar e aterrorizar as tropas romanas. Para Churchill, a carnificina da I Grande Guerra foi o sinal dos novos tempos. Mas essa guerra marcou, também, a transição dos velhos para os novos tempos. Ao lado da matança anônima e em massa, característica dos tempos modernos e mais civilizados e letais, ela teve movimentos e ações pensados e executados à antiga. A França, por exemplo, baseou sua participação na guerra num conceito errado, ao passo que o avanço alemão, fulminante, tal como se daria 25 mais tarde, foi baseado em outra concepção, em outra escola. Os dois casos, porém, ainda permitem que se brinque de táticas num tabuleiro, com soldadinhos de chumbo, fortes e canhões colocados estrategicamente. Um pouco como a gente vê hoje nas pranchetas e quadros-negros dos professores, como são chamados os treinadores de futebol.


“O medo de perder tira a vontade de ganhar.”

Esse aforismo é muito usado por Vanderlei Luxemburgo, sem dúvida um dos melhores treinadores brasileiros, se não o melhor.

“A vontade de conquistar é a primeira condição para a vitória.”

Esse era o aforismo predileto do General Ferdinand Foch, diretor da École Supérieure de la Guerre e autor da teoria militar francesa da época.

Acredito que o aforismo usado hoje no futebol nada mais é que uma variação do que foi criado pelo General Foch. Posso estar enganado, não pesquisei a respeito, mas creio que é isso mesmo.

Tirando essa provável coincidência, no resto há mais divergências entre o pensamento do general e o do treinador brasileiro. Foch também empregava outros aforismos: “Victoire, c’est la volonté!” – ou “a vitória é força de vontade”. E também “a batalha ganha é aquela na qual não nos reconhecemos derrotados.”

Embora esse general francês desse uma certa atenção à defesa e aos suprimentos, o cerne de sua teoria era atacar, atacar, atacar sempre.

É famosa, por exemplo, sua resposta à pergunta que lhe foi feita após fragorosa derrota no Marne, onde seus oficiais viam-no gritando ao mesmo tempo que corria de um lado para o outro: “Ao ataque! Ao ataque!” E por que ele avançou quando estava tecnicamente derrotado?

“Por que? Não sei. Por causa dos meus homens, porque tive vontade. Além disso... Deus estava lá.”

Foch também dava muito espaço em sua teoria ao imprevisto, dizendo que era necessário pensar no curso da ação de acordo com as alternativas de terreno, materiais e táticas empregadas pelos adversários. Dizia: “Os regulamentos são ótimos para os exercícios de guerra, mas na hora do perigo eles são inúteis. (...) É preciso aprender a pensar.”

A escola alemã era o oposto, com sua doutrina baseada em Clausewitz. Uma campanha militar deveria ser meticulosamente estudada e todas as alternativas possíveis deveriam ser previstas. Dava-se um valor muito grande à defesa e às linhas de suprimentos. Uma retaguarda material sólida era tão importante quanto uma boa força ofensiva.

Os alemães davam, também, grande valor ao treinamento e aos regulamentos, agindo sempre de acordo com eles. Pejorativamente, seguiam a cartilha.

Ao fim e ao cabo, a França perdeu e a Alemanha também perdeu. Embora a escola alemã estivesse mais correta que a francesa, sem a menor dúvida, não foi o bastante para vencer, tanto na Guerra de 14 como na de 39. Felizmente, digo aqui do meu cantinho.


E o futebol com tudo isso?

Ao ler no correr desses dias algumas obras sobre a Primeira Grande Guerra, tive minha atenção desviada pela lembrança dos professores, ops... dos treinadores falando sobre suas táticas e esquemas. E também, claro, do brilhante PVC abordando didaticamente o mesmo tema.

Ouvindo-os e lendo-os, fica claro que preconizam uma mistura de Foch com Clausewitz. Ao ataque, mas com cuidados defensivos e sólidas retaguardas materiais. Deslocamentos pelas pontas, como os alemães invadindo e ocupando a Bélgica para chegar a Paris, bloqueio de forças, penetrações em velocidade, viradas súbitas de jogo, tirando a bola do foco na direita e colocando-a na esquerda desguarnecida.

No decorrer desses mais de cem anos de futebol, tivemos diferentes táticas preconizadas como ideais. Teve o pioneiro WM, as variações do 4-2-4, 4-3-3, a introdução do líbero, a criação do over laping, o catenaccio (ferrolho) do calcio, o futebol total da Laranja Mecânica holandesa, o 3-5-2 e outros menos votados. Eram, são, concepções de disposição espacial das forças de cada exército, digo, cada time. Ocupar espaço, impedir o avanço adversário, sobrepujar o adversário pela astúcia, velocidade ou força ou combinação desses elementos, para chegar ao gol, também chamado meta, alvo, arco...


As concepções de futebol são diferentes. Para a maioria dos torcedores vale a escola do General Foch: atacar, atacar, atacar sempre, dourando essa pílula com a sapiência de uma bela frase: o ataque é a melhor defesa. Num outro extremo temos o catenaccio, a criação da escola italiana de futebol, com sua sólida, quase intransponível formação defensiva, protegendo a meta dos ataques adversários.

Ao ouvir as entrevistas dos treinadores hoje, uma palavra sobressai: equilíbrio. Pode-se dizer que é a palavra da moda. Mas, ao contrário de outras que fizeram moda e ficaram famosas, equilíbrio tem tudo para permanecer atual e válida por muito, muito tempo. Em resumo, como diz o nome, busca-se formar um time que ocupe todos os espaços do campo, desloque-se com velocidade, marque com mais gente do que é atacado e procure atacar com o máximo de jogadores, sem ficar exposto atrás. Ao mesmo tempo, deve haver uma variação entre direita e esquerda, utilizando os dois lados indistintamente. Simples, não é? Um time bem equilibrado tem boas e suficientes peças de reposição, assim como uma boa retaguarda, compreendendo ambiente, centro de treinamento, departamento médico e de fisioterapia, etc.
Equilíbrio entre a "porralouquice" fochiana e a rigidez germânica, tendo espaço para o improviso e as mudanças de rota no meio do caminho, como também seguindo rigorosamente um programa de treinamento e obedecendo a um esquema tático pré-definido. Simples, como eu disse linhas atrás. Mas, pensando bem, tudo isso tem tudo a ver.

É o futebol como deve ser nos dias de hoje.


Em certas partidas, jogo já perdido, time desarrumado em campo, jogadores confusos e desanimados, derrotados, observo o treinador à beira do gramado gritando e gesticulando “Ao ataque! Ao ataque!”, e penso no General Foch. Felizmente, desses ataques tão insanos quanto inúteis, que abrem ainda mais a retaguarda e aumentam o fragor da derrota, nada resultará para os jogadores além de mais canseira e, quem sabe, vergonha. Ao contrário das mortes que talvez tenham pesado na consciência do General, embora eu ache que não pesaram.

Essa é a sutil diferença entre futebol e guerra.


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quinta-feira, fevereiro 08, 2007

20 clubes mais ricos do mundo


Deloitte Football Money League

O Real Madrid é o clube mais rico do mundo, de acordo com pesquisa feita pela consultoria Deloitte. O time espanhol obteve o primeiro posto na lista anual da consultora, com uma receita de 292,2 milhões de euros na temporada 2005/06.

O time madrileno superou o Barcelona, segundo colocado na relação com uma receita de 259,1 milhões de euros no mesmo período. Líder da relação na temporada anterior, o Manchester United, da Inglaterra, caiu para o quarto posto, com 242,6 milhões de euros, sendo superado também pela Juventus, da Itália (251,9 milhões de euros).

Da lista dos 20 times mais ricos do mundo, oito disputam o Campeonato Inglês, quatro o Italiano e três o Alemão. São representados ainda times da Espanha, França, Escócia e Portugal. O Brasil não tem representante na relação.

São contabilizadas na lista todas as receitas das equipes durante a temporada, incluindo ganhos com transferências de jogadores, patrocínios e ganhos com contratos de direitos de transmissão.

1º Real Madrid (Espanha) - 292,2 milhões de euros
2º Barcelona (Espanha) - 259,1 milhões
3º Juventus (Itália) - 251,2 milhões
4º Manchester United (Inglaterra) - 242,6 milhões
5º Milan (Itália) - 238,7 milhões
6º Chelsea (Inglaterra) - 221,0 milhões
7º Inter de Milão (Itália) - 206,6 milhões
8º Bayern de Munique (Alemanha) - 204,7 milhões
9º Arsenal (Inglaterra) - 192,4 milhões
10º Liverpool (Inglaterra) - 176,0 milhões
11º Lyon (França) - 127,7 milhões
12º Roma (Itália) - 127,0 milhões
13º Newcastle (Inglaterra) - 124,3 milhões
14º Schalke 04 (Alemanha) - 122,9 milhões
15º Tottenham (Inglaterra) - 107,2 milhões
16º Hamburgo (Alemanha) - 101,8 milhões
17º Manchester City (Inglaterra) - 89,4 milhões
18º Glasgow Rangers (Escócia) - 88, 5 milhões
19º West Ham (Inglaterra) - 86,9 milhões
20º Benfica (Portugal) - 85,1 milhões

Esse já é o décimo ano que a Deloitte faz esse levantamento. É importante lembrar que essa publicação sai alguns meses após o final da temporada, ou seja, depois do fechamento dos anos contábeis dos clubes e a conseqüente liberação dos dados para a imprensa.

Vi que um portal traduziu erroneamente receita por lucro, demonstrando a enorme ignorância e indigência com que os assuntos marketing, finanças e correlatos são tratados por nossa imprensa. Esse erro é mesmo brutal. Só para ter uma idéia, a maioria dos times listados não teve lucro – que nesse caso é melhor chamar de superávit – no exercício.

Causou espanto entre os analistas a ascensão do Barcelona – fato que esse blog já comentou, inclusive citando o futuro próximo previsto pela direção do clube – e isso só reforça ainda mais o valor e importância da verdadeira razão de ser do time do Barça hoje: Ronaldinho Gaúcho. A queda do Manchester é tratada como circunstancial.

Vai demorar um bocado ainda para aparecer um clube brasileiro no pé dessa lista. Mas um dia vai aparecer.


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quarta-feira, fevereiro 07, 2007

“Eu > Deus”


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Pessoal, esse é o romance que o Garambone escreveu e foi lançado em 2006.

Tem um post a respeito no “Um Olhar Crônico”, o meu outro blog.

Para quem gostar ou quiser conhecer, basta clicar.

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segunda-feira, fevereiro 05, 2007

As festas dos estaduais


Muitos jogos do Campeonato Paulista são verdadeiras festas. É o que acontece quando os times das cidades menores recebem os grandes clubes. Os estádios ficam lotados em todos os setores. O dinheiro das bilheterias garante alguns meses de manutenção dos times chamados pequenos. Mais alguns meses de emprego garantido para três dezenas de jogadores, jovens e desconhecidos em sua maioria. Nas arquibancadas cheias, bandeiras sacudidas e muita animação, tudo é festa.

E é mesmo bonito ver a festa dos torcedores.

As famílias vão ao campo, os pais aproveitam para levar os filhos pequenos e mostrar a eles as camisas famosas só vistas na televisão. E também para mostrar os grandes jogadores, claro, os grandes nomes, que ainda existem, apesar da maioria estar jogando em terras d’além-mares.

Inevitavelmente, o estádio fica meio dividido, pois o grande time visitante sempre tem bom número de torcedores na cidade. Às vezes acontece até da torcida do time de fora ser maior que a do time local. E, também para esse pessoal, é uma grande oportunidade poder assistir ao vivo o jogo do time do coração, que normalmente manda seus jogos na Capital, impossibilitando ou dificultando muito a presença até dos mais fanáticos torcedores.

Quando o grande time vai para o interior é tudo festa. Uma beleza.

E esse é um forte argumento a favor dos defensores da manutenção dos campeonatos estaduais. No caso de São Paulo, o estadual tem muitas e belas histórias. Grandes times e muitos e muitos grandes jogadores foram formados nesses times do interior paulista. É um verdadeiro patrimônio histórico e esportivo, algo digno de ser preservado.

Sim. Sem dúvida. Mas... Preservado por quem?

E aqui o bicho pega. Todo mundo acha lindo o espetáculo, enaltece a história, elogia a torcida que comparece, mas “todo mundo” só vê o grande jogo, o jogão contra o time grande. No jogo seguinte contra outro pequeno, o estádio fica às moscas, a festa desaparece, as famílias não saem de suas casas e os atletas jogam para meia dúzia ou pouco mais de testemunhas, muito mais que torcedores. E tudo fica desse jeito até o próximo time grande jogar na cidade, quando volta a festa e o dinheiro corre novamente nas bilheterias.

Os times pequenos dependem dos jogos contra os times grandes para sobreviver. Essa é a verdade, simples e clara.

E nesse domingo, em Bauru e Guaratinguetá, tivemos dois bons exemplos, com o Guaratinguetá enfrentando o Corinthians e o Noroeste pegando o São Paulo. Os dois estádios lotados, o de Bauru com alguns lugares sobrando, em virtude dos preços cobrados pela direção do Noroeste. As rendas, com certeza, foram boas. Os torcedores fizeram festa, ficaram felizes, tudo no melhor dos mundos. Exceto por um detalhe: eram esses os jogos que deveriam jogar São Paulo e Corinthians?

Eu diria que não. Nesse momento deveriam estar ainda em treinamento, recém-passando da metade da pré-temporada e começando a jogar amistosos, jamais jogos oficiais, ainda mais dois por semana, todos duríssimos e disputados. Isso tudo como preparação correta para as disputas continentais, para a disputa nacional. E, futuramente, para uma disputa inter-continental.

R$ 413.300,00 foi a renda em Bauru, com 16.801 pagantes.

R$ 293.835,00 foi a renda em Guaratinguetá, com 12.683 pagantes.

R$ 314.490,00 foi a renda no Parque Antártica, com 18.676 pagantes.

Noroeste e Guaratinguetá farão boa “festa” com suas rendas, sem dúvida. Já o Palmeiras, ao pensar pequeno e acanhado e exigir o jogo contra o Santos no pequeno Parque Antártica, teve uma renda pífia, com um público idem. Pior que isso: é um estádio que não se presta a jogos de duas torcidas em função de seu entorno e acessos. Resultado: confusão e pancadaria antes do jogo. Mas isso é outra história.

O Noroeste cobrou pela presença do São Paulo e o preço médio do ingresso foi de R$ 24,60.

Em Guaratinguetá o preço médio foi de R$ 23,16.

E no Parque Antártica, confirmando a visão tacanha, foi de R$ 16,84.

Disso se deduz que os times do interior foram profissionais, inteligentes e ágeis. Cobraram mais caro e, mesmo assim, os estádios lotaram. Não fosse pela “meia-entrada”, as rendas seriam maiores.

E essa é a real e a mais verdadeira de todas as razões para a manutenção dos estaduais, ao lado da mais forte e poderosa, que é a manutenção da estrutura de poder viciada e corporativa, muito longe de qualquer conteúdo democrático.

Dinheiro & Poder...

Sim, as festas são bonitas, mas são festas realizadas às custas dos grandes times, que não são e não devem ser responsáveis pela existência dos pequenos. Esses devem ser mantidos por suas próprias comunidades. Fora disso é esmola, é subsídio, é sustentar uma estrutura falsa. E estruturas profissionais como as que já existem no interior de São Paulo, sobreviverão bem sem o campeonato estadual, substituído por um nacional que dure a maior parte do ano.

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