Um Olhar Crônico Esportivo

Um espaço para textos e comentários sobre esportes.

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sábado, julho 08, 2006

Voltando à Velha Mãe África - Em Casa

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Dentro de 4 anos estaremos todos em casa novamente. Muitos não sabem disso hoje e continuarão não sabendo daqui a 4 anos. Não importa, sabendo ou não, em 2010 estaremos jogando em casa, na nossa velha Mãe África. Pois foi de lá que viemos todos.

Gostei muito do símbolo da Copa 2010.

É bonito, é leve, é futebol.

A graça de suas formas e a riqueza das cores projeta para as danças africanas, muitas transformadas em brasileiras, caribenhas, americanas. O movimento sutil e maleável de danças que talvez estejam na origem dos dribles mágicos que a todos encantam no futebol jogado com beleza e arte.

E esse símbolo nos diz muito, a nós, brasileiros e, particularmente a nós, torcedores do São Paulo. Porque ele mostra a bicicleta, a jogada que, dizem, foi inventada por Leônidas da Silva, o “Diamante Negro”, com certeza um dos 5 maiores jogadores da história do futebol brasileiro, ao lado de Friedenreich, Zizinho, Garrincha e Sua Majestade, o Rei Pelé.

Esse gesto, exatamente igual, está eternizado no Memorial do São Paulo.

A bicicleta é a mais plástica de todas as jogadas do futebol. É, também, a mais improvável. A meta adversária está lá atrás, às costas do jogador, cujos olhos deveriam enxergar apenas a vastidão do campo que termina em sua própria meta. A bola está no alto, e vem cruzada em velocidade da esquerda ou da direita. Sua direção precisa ser mudada de forma a fazer uma quina, a formar um ângulo próximo de noventa graus – e aqui temos uma prova de como pode ser bela e nada chata a matemática. Parece bilhar, mas é infinitamente mais difícil. Todos os atores estão se movendo, o chute tem que ser perfeito na força e na direção.

E assim, em busca do improvável, o corpo se projeta no espaço, deitado, as pernas sobem, projetando-se para o vazio, mas uma delas está mais baixa e no momento certo, magicamente, desfere um chute que encontra a bola em pleno vôo. Enquanto seu corpo volta para o chão comum de todos os mortais, o jogador ouve o grito maravilhado de milhares de vozes. Ninguém se contém, nem mesmo os torcedores adversários.

O vôo da bola terminou nas redes. É gol.

Que a magia e a arte de Leônidas inspirem a África do Sul e seu povo a fazer uma grande Copa do Mundo, um presente da velha Mãe para todos no mundo.

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quarta-feira, julho 05, 2006

Segue a Copa lá e cá

Um novo ciclo?


Para facilitar nossa pobre compreensão da natureza, dividimos e esquematizmos o que é único. Mas é bom isso, não nego. Dessa forma, pegamos o Oxigênio e criamos o seu ciclo. E assim fizemos com o Nitrogênio, o Carbono, a Água...

Esses esquemas didáticos nos mostram renovação e reciclagem como coisas naturais, normais e desejáveis na natureza, onde nem a morte significa imobilidade.

Em recente comentário a um dos posts, o Csai, amigo blogueiro do Lluvia Blaugrana, disse acreditar que é bom para o futebol que existam ciclos, e, por dedução, o futebol entraria agora num novo ciclo com a eliminação do Brasil ainda nas quartas.

Concordo. A rigor, a presença do Brasil numa quarta final consecutiva não seria mesmo muito saudável para o futebol. Mas se acontecesse por justiça e plenos méritos esportivos, com o Brasil jogando o futebol que todos esperavam que jogasse, paciência. Se assim fosse, ninguém reclamaria como ninguém reclamou do favoritismo exagerado e absurdo que tinha o Brasil antes da Copa começar.

Um simples treino numa cidadezinha suíça ou alemã chegava a ter mais de mil jornalistas credenciados! Absurdo, completo absurdo.

O Brasil perdeu, o Brasil foi eliminado. Quem gosta de futebol aqui no Brasil, está rezando para que essa eliminação signifique o início de um novo ciclo para o futebol brasileiro. Um ciclo que, para mim, não deve ter Parreira, Zagallo e suas concepções pequenas de futebol. Quem sabe temos sorte e começamos, de fato, um novo ciclo?

(Coisa que parece difícil. Enquanto Pekerman teve a grandeza de demitir-se, Parreira não o fez e Zagallo fez pior: disse que quer ficar. Valha-nos Deus, valham-nos todos os deuses dos estádios.)

Reações


Pobre Cafu... Cafu começou no São Paulo, portanto, acompanho sua carreira desde juvenil, ainda. É um cara sério, honesto – apesar do imbróglio com o passaporte italiano – e que não merece as ofensas que tem recebido. Críticas, sim, merece-as, tal como merecem críticas Roberto Carlos, Ronaldo, Ronalidinho, Kaká...

Mas não ofensas. As pessoas esquecem, e os jornalistas também, que por trás de Cafu há uma trajetória vitoriosa e bonita. Há um cidadão que sempre foi exemplar como amigo, marido, pai e hoje, com bom saldo bancário, investe parte de seu dinheiro, tempo e preocupação, numa fundação que faz um bonito e útil trabalho com crianças pobres na periferia de São Paulo.

Mas a raiva popular, da qual os jornalistas tomam posse e que os jornalistas estimulam, é exagerada e mal dirigida. Não vou falar de Roberto Carlos. Há anos ele não joga mais um futebol bom o bastante para merecer a seleção. E há anos que ele fala mais do que deve e fala bobagens, fala besteiras, inclusive agredindo verbalmente ninguém menos que Pelé. Roberto Carlos é um tonto. Basta, já falei dele mais do que queria. Aliás, nem queria.

E a raiva explode, também, sobre Ronaldinho. Sobre o Ronaldinho Gaúcho, para não confundir com o outro. Por que? Que culpa teve ele?

Perguntas difíceis para respostas idem.

Ronaldinho é um craque, sem dúvida. Mas ainda não atingiu o patamar de alguns grandes jogadores do passado. Um craque mítico chama para si a responsabilidade de grandes jogos e os resolve. Mesmo no Barca eu não vejo Ronaldinho fazendo isso. Parece-me que ele, para brilhar intensamente, precisa de uma equipe organizada, com bons jogadores ao seu redor e liberdade para jogar seu jogo, seu futebol.

Na seleção brasileira Ronaldinho sempre teve grandes jogadores ao seu redor. Mas nunca teve uma equipe organizada, entrosada de fato, e nunca teve a liberdade que precisa. E não lhe basta a liberdade. Ela precisa estar acompanhada de espaços e deslocamentos. Ora, nos últimos anos, com exceção de um ou dois jogos, nada disso existiu na seleção do Brasil: espaços, deslocamentos, liberdade para jogar.

Sou repetitivo, sou chato e sou ignorante sobre futebol, porque volto, como sempre, ao mesmo ponto, à mesma origem: Parreira. Não só ele, mas também Zagallo e Scolari. Treinadores que sempre pegaram os jogadores e enfiou-os dentro de esquemas de jogo criados por suas cabeças. Esquemas onde, sempre, o importante é não tomar gols e vencer. Como disse o infeliz Parreira, “show é ganhar”, não importando como.

Ora, supondo que eu esteja total ou parcialmente certo, a grande massa de torcedores não pensa sobre futebol, simplesmente torce. E deixa-se levar pelos narradores, pelos comentaristas, pelas manchetes de jornais. E pelos comerciais de tênis e refrigerantes que a televisão mostra minuto a minuto. Ah, sim, e pelas jogadas geniais que a televisão mostra infinitas vezes e pelos prêmios e elogios. A massa torcedora fica inebriada por essas coisas.

Mas tudo isso é exagerado. As jogadas de sonho dos comerciais, como disse um blogueiro espanhol dias atrás (Diego, me parece), são repetidas duzentas vezes, e acontecem depois de muitos “corta” e “ação”. Bem sei disso, é meu trabalho, mas cinema é ilusão e o torcedor se ilude com o que vê. E imagina ver tudo aquilo em pleno jogo, em todo jogo, em todas as jogadas. Mas isso não acontece, é impossível. E vem a desilusão e a sentença: na seleção não joga como no Barça. E não enxerga que tampouco a seleção joga como o Barcelona, não em qualidade, mas em esquema e tática. Os jornalistas, em sua maioria, apenas repetem o óbvio: não joga na seleção como joga no Barcelona. E pior: durantes meses e meses, durante anos, para ser mais exato, o torcedor brasileiro leu e ouviu que “2006 será a Copa de Ronaldinho”.

Ronaldinho está em forma, não está machucado? Ótimo, já somos hexacampeões, é só dar a taça para Cafu levantar e dar a Ronaldinho o troféu de melhor da Copa.

O resto é só detalhe. Ganhar sete jogos? Piece of cake! Mera brincadeira.

Isso não era arrogância, era só uma crença tola alimentada anos a fio.

Mas a seleção falhou vergonhosamente. E digo vergonhosamente porque não houve luta, como os argentinos, espanhóis, ingleses e, ontem, os alemães. Houve entrega, o Brasil se entregou à França, simplesmente. E isso doeu muito em todas as pessoas. Nessas horas, a reação normal do ser humano é procurar alguma coisa ou alguém a quem culpar. Freud, Jung & Cia. explicam isso muito bem e minhas leituras de orelhas de livros de psicologia não me permitem discorrer a respeito. E nem preciso.

Parreira não tem a mesma visibilidade e força no imaginário popular. Tampouco Cafu e Roberto Carlos. Sobrou, portanto, para Ronaldinho Gaúcho.

Mas isso passará.

Surpreendente!


Para mim, essa é a descrição resumida de Alemanha x Itália.

Surpreendentes, tanto a Azurra como Marcelo Lippi, que escalou um time ofensivo desde o começo. E, na prorrogação, voltou a surpreender, ao deixar o time ainda mais ofensivo, com Del Piero em lugar de Camoranesi.

Um jogo bonito, mesmo sem gols no tempo normal. Houve muita vontade de parte a parte, situações de gol, grandes defesas, chutes errados no momento decisivo, enfim, tudo que faz do futebol o mais emocionante e o mais diferente dos esportes. E, por tudo isso e muito mais, o esporte mais popular do planeta.

Nesse momento, não há como negar, a parte Brassarotto do meu sangue se impõe: Forza, Azurra!

...

Parece que estou vendo um filme repetido: o futebol italiano em crise, a justiça da Itália condenando times, dirigentes e árbitros, e, na Copa, uma seleção começando meio desacreditada e crescendo jogo a jogo... Eu já vi esse filme, sim. Foi em 1982.


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terça-feira, julho 04, 2006

As chuteiras sem pátria


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(Transcrição da crônica de hoje, do Jabor, publicada no O Estado de S. Paulo - Caderno 2. )


As chuteiras sem pátria

Arnaldo Jabor

Quando chega um fax com barulhinho de cornetas celestiais, eu já sei: é carta do Nelson Rodrigues. Não deu outra. Nelson me pedia para publicar um texto sobre a Copa, já que está sem contato nas redações: "Eu sou do tempo do Pompeu de Souza, do Prudente de Morais Neto... Não conheço esses meninos da redação..." Muito bem, aqui vai seu comentário sobre o sábado da desgraça:

"Amigos, a derrota é um grande momento de verdade. Só diante da vergonha é que entendemos nossa miséria. Num primeiro momento, queremos encontrar uma explicação para o fracasso, mas fracasso não se improvisa - é uma obra calculada, caprichada durante meses, anos até. Não adianta berrar no botequim que o Parreira é uma besta ou que o Ronaldo é um gordo perna-de-pau. Não. Nosso fracasso começou antes, porque esta seleção não foi a pátria de chuteiras; foram as chuteiras sem pátria.

Para nossos jogadores ricos e famosos, o Brasil é a vaga lembrança da infância pobre, humilhada. O País virou um passado para os plásticos negões falando alemão, francês, inglês, todos de brinco e com louras vertiginosas. Não são maus meninos, ingratos, não; mas neles está ausente a fome nacional, a ânsia dos vira-latas querendo a salvação. O povo todo estava de chuteiras, para esquecer os mensalões e os crimes, mas nossos craques não perderam quase nada com a derrota; tiveram apenas um mau momento entre milhões de dólares e chuteiras douradas pela Nike.

Isto me faz lembrar o grande Nenen Prancha do Botafogo: "Temos de ir na bola como num prato de comida!..." Que frase profunda, esquecida hoje... Nosso time come bem e nem os jogadores, nem os técnicos, nem os roupeiros e massagistas viram o óbvio, ali, uivando, ululando nos vestiários: o time estava sem conjunto, os jogadores estavam presos a um esquema tático que contrariava suas vocações. Só o povo berrava: "Ronaldo está gordo, Ronaldinho tem de atuar mais livre, os jovens têm de jogar mais!" E, quanto mais o óbvio se repetia, mais o Parreira se obstinava em sua lívida teimosia... Por quê? Porque o técnico é sempre contra a opinião geral. Em vez de orientar as vocações dos rapazes, ensinando-lhes a liberdade, a coragem e o improviso, o Parreira achou que todos têm de caber em sua estratégia. O pior cego é o surdo. E jogador brasileiro não gosta de lei nem de planejamentos; quer inventar sozinho. O técnico devia ser um reles treinador, quase um roupeiro, humilde diante dos craques. Mas, o Parreira parecia um "Mussolini" de capacete e penacho. Teve vários sinais de tirania: só dava a escalação no vestiário, com os jogadores desamparados, na insônia da dúvida da convocação, não teve coragem de barrar as estrelas, como se isso fosse uma afronta ao passado e às multinacionais. Ronaldo fez gols, tudo bem, mas foi uma âncora pesada desde o início, em torno do qual os problemas giraram. Parreira ficou com medo dos jovens e eu via em seus rostos o desespero do banco. Robinho arfava de rancor e só entrava quando era tarde demais. Robinho foi o único que chorou no final, ainda menino e puro. Quem teve a mãe seqüestrada sabe o que é tragédia. E, para escândalo do País, Robinho ficou de castigo. Ao final de tudo, Parreira disse a frase suicida: "Não estávamos preparados para perder!..." Isso é a morte súbita, isso é a guilhotina. Sem medo, ninguém ganha. Só o pavor ancestral cria uma tropa de javalis profissionais para a revanche, só o pânico nos faz rezar e vencer, só Deus explica as vitórias esmagadoras, pois nenhum time vence sem a medalhinha no pescoço e sem ave-marias. Mas, Parreira ignorou a divindade e acreditou em si mesmo, com a torva vaidade de uma prima-dona gagá, com pelancas e varizes.

Isso é o óbvio, mas foi ignorado. E quando o óbvio é desprezado, ficamos expostos ao sobrenatural, ao mistério do destino. Por exemplo, por que começamos o jogo como um corpo de bailarinos eufóricos e, 15 minutos depois, ficamos paralíticos como sapos diante de cascavéis, com o Zidane dando chapéus até no Ronaldo? Será que diante da Marselha sofremos um pavor reverencial? Em 98, Ronaldo caiu em convulsões de cachorro atropelado no vestiário. E agora? Creio que no sábado não estávamos com medo da França, não; o que tivemos foi medo de nós mesmos, voltou-nos o complexo de vira-latas, inibidos como vassalos diante do Luís 14, de sapato alto e peruca empoada. Foi assim em 98 e agora. A França é muito chique para filhos do Capão Redondo e de Bento Ribeiro.

Mas, todos sabem que quem ganha e perde as partidas é a alma. E a nossa estava dividida entre o match e a linha de passe, entre o show e a vitória. Houve o episódio da meia do Roberto Carlos, que um segundo antes do gol da França, estava ajeitando a liga como uma madame Pompadour. Pelé notou o descuido frívolo e trágico, pois guerreiro furioso não conserta a roupa na batalha. Esse pequeno gesto revelou bastidores de equívocos fatais, teorias e teimosias.

Outra coisa que nos matou foi a torcida. Nunca houve uma torcida tão desesperada por uns minutos de paraíso, de brilho. Foi diferente de 1950. Lá, sonhávamos com um futuro para o País. Agora, tentávamos limpar nosso presente. Explico: há um ano, somos uma nação de humilhados e ofendidos, debaixo da chuva de mentiras políticas, violência e crimes sem punição. Descobrimos que o País é dominado por ladrões de galinha, por batedores de carteira e pelos traficantes. Por isso, a população queria que o scratch fizesse tudo que o Lula não fez. Mas, era peso demais para os rapazes. A 10 mil quilômetros, os jogadores ouviam os gemidos ansiosos das multidões de verde-e-amarelo, como uma asma patriótica. Não esperávamos uma vitória, mas uma salvação. Só a taça aplacaria nossa impotência diante da zona brasileira, a seleção era nossa única chance de felicidade. Queríamos a taça para berrar ao mundo e a nós mesmos: " Viram? Nós brasileiros somos maravilhosos!"

Mas, não deu. É só."


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domingo, julho 02, 2006

Brasil, Fim de Copa


Bom dia.

Não importa se você esta lendo isso pela manhã, tarde ou noite, fica o desejo de um bom dia, de bons dias pela frente.

Dormi bem, em paz, sem maiores preocupações ou aborrecimentos, ao contrário do que acontece em derrotas importantes do meu time do coração – e à medida que envelheço, descubro que meu time é mais do que simplesmente “do coração” – mas essa é uma outra história. Dormi muito bem ao contrário, também, da noite que se seguiu à nossa trágica e triste derrota para a Itália, em 1982. Talvez porque, no íntimo, nunca consegui enxergar esse time campeão. Talvez porque esse time nunca tenha, realmente, jogado como campeão, nunca tenha demonstrado ser em campo o que era no papel, nas palavras, nos comerciais de televisão.

Falar isso agora é fácil. É, é mesmo fácil, mas eu, pelo menos, venho pensando e escrevendo isso há bastante tempo, e estou certo que por causa desse exercício antecipado de “pessimismo” – ou de realismo – eu tenha dormido bem e em paz. Foi muito pior no dia em que o São Paulo perdeu para o Chivas Guadalajara em pleno Morumbi, depois de uma invencibilidade de 19 anos e 32 jogos em nossa casa.

Galvão Bueno é o melhor e um dos mais experientes locutores esportivos da televisão brasileira. É amado por muitos, entre os quais me incluo, e odiado por parcela quase igual. Não se pode negar, porém, sua experiência e conhecimento e ontem, enquanto a telinha mostrava os jogadores do Brasil sorrindo e brincando no túnel de acesso ao gramado, com troca de beijinhos com Zinedine Zidade, o capitão da França e o único a participar da confraternização, Galvão dizia de seu posto que não gostava daquilo, aquele era o momento de semblantes sérios de jogadores concentrados no jogo que viria a seguir. Era o momento de estar “com a faca nos dentes”. Embora amante ao extremo do fair play, não só no jogo, mas em toda e qualquer atividade humana, eu penso da mesma forma: antes da disputa não há o que confraternizar, apenas os cumprimentos de praxe e vamos à luta. No jornal de hoje, um ex-técnico da própria seleção diz a mesma coisa e conta do mesmo estranhamento com relação à cena da véspera.

E foi assim que entramos em campo.


O jogo no 1º tempo

Gostei dos primeiros dez minutos. E só. Foi a única parte do jogo da qual, como torcedor do Brasil, pude gostar, porque depois disso meus piores temores começaram a se tornar realidade.

A seleção francesa adiantou sua marcação e o Brasil ficou perdido, sem saber o que fazer, de forma literal. Tanto ontem como hoje, jornalistas das mais diversas linhas e tendências são unânimes em escrever “Kaká errou muitos passes”. Não vi ninguem, entretanto, escrevendo o porque dessa obviedade: o time do Brasil ficava imóvel, como se fosse uma equipe de pebolim, e apenas um jogador se deslocava para receber a bola e distribuí-la, justamente Kaká. Não foi a primeira vez que isso ocorreu, foi somente a quinta vez. E não por coincidência, foi o quinto jogo da seleção na Copa. Ah, mas houve, sim, uma exceção, que foi o jogo contra o Japão, quando Kaká recebia e muitas vezes tinha Cicinho ao lado para poder dialogar futebolisticamente, e não com beijinhos e brincadeiras. Ontem, não havia ninguém, como de hábito.

Enquanto a França ocupava todos os espaços, tirando-os do Brasil, portanto, com os deslocamentos inteligentes e treinados de seus jogadores, com um volante – Vieira – chegando à frente com ímpeto e habilidade, os jogadores brasileiros permaneciam estáticos. Algumas tomadas abertas de uma das 25 câmeras de tevê, mostram isso de forma didática. Sem ter com quem jogar, Kaká perdia a bola ou errava o passe. Outras vezes, o goleiro Dida, sem ter com quem jogar – é normal todo o time ficar de costas quando ele tem a bola, um absurdo, para dizer o mínimo – dava um improdutivo chutão para a frente, para o nada, para o domínio francês.

Quando um jogador brasileiro tinha a bola nos pés, era imediatamente assediado, acossado de perto, junto mesmo, por dois ou até três marcadores. O resultado era a perda da bola, ou o passe errado e a perda da bola, ou o passe mal-feito e a perda da jogada, ou o passe possível e sem perigo para o lado ou, geralmente, para trás.

Quando um jogador francês tinha a posse da bola, e principalmente Zidane, não havia assédio. De um lado, Ronaldinho Gaúcho cercado por três, e até sem necessidade, diga-se de passagem, e de outro Zidane, livre, leve, solto, tranqüilo e criativo. O “velho” Zidane que deu-se ao luxo de aplicar dois chapéus – alguns, com vergonha, preferiram chamar de lençol, por ser menos humilhante e amenizar a verdade – no meio-campo, quando o jogo já estava em 1x0. Em momento algum Zidane foi realmente marcado. E o pior de tudo, o mais incrível, inverossimel, mesmo, foi ouvir Parreira, depois do jogo, dizer que Zidane foi bem marcado. E pior, conceitualmente: “o Brasil não marca individualmente”.

Atentem para essa frase: “o Brasil não marca individualmente” e pensem a respeito dela e do que ela revela.

Não, minha gente, o que ela revela é simples: o Brasil é bom demais e superior demais aos outros para destacar um jogador só para marcar um adversário, pois não há ninguém tão bom assim fora do nosso time. Acham que estou exagerando? Pois sim.


O jogo no 2º tempo

Ah, esse foi um tempo bem diferente do 1º.

Começou com a França perdendo um gol feito aos quarenta segundos de jogo. Mas na seqüência o Brasil deu uma idéia do que era o Brasil e dominou o jogo completamente, por exatos quatro minutos e meio. Foi o que bastou para a França reencetar a marcação na saída de bola brasileira, tirar os espaços e matar a seleção cinco vezes campeã mundial novamente.

Pouco depois a França fez 1x0, em falha grotesca da defesa, que teve seu ponto máximo em Roberto Carlos acertando a meia enquanto a bola voava sobre a área para Henry, sem marcação, desvia-la de cabeça para o fundo do gol de Dida, perdido no lance.

Passados os trinta minutos, Parreira, um dos profissionais mais bem pagos do mundo – e que menos trabalha – tirou Cafu, uma triste sombra do que já foi, e colocou Cicinho. Era tarde. Já tinha tirado o inútil e perdido Juninho, que saiu para a entrada de Adriano, quando o óbvio já era entrar Robinho, que entrou por último no lugar de Kaká, aquele que corria e que começou o jogo sem estar no melhor de sua condição física, pois vinha de recuperação de lesão.

Fim.

Fim, já? Só isso?

Sim, só isso. O 2º tempo foi só uma cópia do 1º, nada mais. Fim.

Esse “fim” começou há bastante tempo, não agora. Em raríssimos momentos a seleção treinada por Parreira nos encantou e, mais importante, nos convenceu. Por todo o mundo e aqui também, as pessoas imaginavam o Brasil campeão por conta das performances maravilhosas de Ronaldinho, no Barcelona, de Kaká, no Milan, pelo passado de Ronaldo, pelo presente de Dida, Lucio, Juan, Emerson, Adriano, pelos nomes de Cafu e Roberto Carlos, pelo futuro de Robinho.

Todavia, essas grandes performances em clubes não se repetiram na seleção.

Parreira sempre reclamou não ter tempo para treinar. Ah, mas que tempo teve Klinsmann? Ou Felipao? Ou Domenéch? Ou Aragonés? Ou Pekerman? Todos tiveram o mesmo tempo que ele. E nenhum outro treinador tinha tantos e tão bons jogadores à disposição como Parreira.

O time da Copa chegou à Suíça e treinou... Treinos tolos, bobos, infantis, nenhum treinamento sério, com alternativas de formação, alternativas de jogadas, nada disso. Desde o começo havia uma auto-suficiência doentia e cega. O Brasil teve problemas contra a Croácia, contra a Austrália e contra Gana. O Japão marcou primeiro, na única vez que tivemos um arremedo de time competitivo.

O Brasil me lembrou aquele menino espanhol do comercial de tevê, que escolhe meia dúzia de craques e manda-os a campo. Vão e resolvam, vocês são craques! Que pobreza! Ganhar mais de dois milhões de euros por ano para isso? Bom, eu me ofereço por duzentos mil euros por ano, ou até por cem mil.


O que faltou

Eis algo para se pensar: o que faltou ao Brasil de Parreira?

Eu só encontrei uma resposta: faltou Roberto Baggio.

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