Um Olhar Crônico Esportivo

Um espaço para textos e comentários sobre esportes.

<

terça-feira, fevereiro 14, 2006

Lembranças de torcedor e torcidas



O primeiro jogo do São Paulo que eu vi foi muito besta. Lembro duns jogadores de branco lá longe e meu pai me segurando numa arquibancada alta. Por essa época eu tinha 3 anos de idade e o São Paulo foi campeão paulista. Era o ano de 1957.

Dez anos depois, já dono do meu próprio nariz, são-paulino por opção e marra, fui pro Pacaembu ver o São Paulo ser campeão paulista. Pela primeira e última vez na minha vida comprei uma faixa de campeão. Nunca mais! Senti o gostinho maravilhoso de ser campeão até os 44’30” do segundo tempo. Gritava o tempo todo não sei o que, não faço a menor idéia. Tudo era bom demais, faixa atravessada no peito. Foi quando o Benê, um centroavante meia-boca do Corinthians, empatou o jogo.

1x1

E com aquele gol empatamos com o Santos no campeonato, esse sim o Todo Poderoso Santos, 8 vezes campeão paulista nos anos 60. O tira-teima, chamado à época de super-campeonato, foi marcado para uma quarta-feira à noite, também no Pacaembu. Nem fui, fiquei em casa mesmo, sozinho, ouvindo o rádio e chorando a dor da derrota e do título perdido. A faixa de campeão? Nem imagino, aliás, nem lembro se levei-a pra casa ou não.

Vieram dois anos tristes, até porque o país também ficou triste com o AI-5 e a Junta Militar usurpando o poder que já houvera sido usurpado anos antes. No final de 69 comecei a ficar animado. Um baixinho meio barrigudo, bigode grande e que era diretor de futebol do São Paulo, o Manoel Poço, disse que o São Paulo ia se armar. Pobre como Jó, foi um sacrifício comprar mais jornais do que os que já comprava, que era o Estadão de domingo e no meio da semana e a Gazeta Esportiva toda segunda-feira. Um dia nem acreditei no que lia nas manchetes: Gerson no São Paulo. E depois Toninho, o artilheiro do Santos (não lembro mais quem foi anunciado primeiro, ou até se vieram juntos, mas lembro das sensações).

No começo de 1970 vi uma nota na Gazeta Esportiva dizendo que uma torcida uniformizada do São Paulo estava sendo organizada. Não tive dúvidas, lá fui eu. E foi no meu primeiro jogo como torcedor uniformizado que eu conheci o Morumbi já com o anel superior fechado e inaugurado há pouco tempo. Maravilhoso!

Essa torcida era a Torcida Uniformizada Coral do São Paulo Futebol Clube. Não sei se logo depois ou um pouquinho antes, nasceu a Gaviões. Lembro do seu fundador, o Flavio La Selva. Havia relações cordiais entre as torcidas. E nasceu, também, a TUP e a Leões da Fabulosa. Minha carteirinha da Coral era motivo de orgulho, eu era o número 14. Fiz amigos lá dentro, mas também colecionei algumas inimizades. Em 71, eu e o Armando, um amigo feito ali na torcida, tomamos uns petelecos do Helio Silva, que seria depois o “dono” da Independente. Esse Helio era lutador de telecatch e nós éramos dois adolescentes bobões e metidos a besta. Apanhamos.

Foram dois anos maravilhosos, veio o Forlan, meu ídolo, veio o Pedro Rocha, veio o babaca do Edson Cegonha. Veio do Corinthians e foi pro Palmeiras. Antes de um jogo contra o Palmeiras, um repórter de campo perguntou pro Forlan como seria enfrentar o Palmeiras do seu “amigo” Edson: “Los mataremos!” Ah, grande Forlan.

Dessa época tenho uma lembrança impossível de se acreditar nos dias de hoje: eu morava no Ipiranga, e tomava 3 ônibus para chegar ao Morumbi. E andava uniformizado: calça branca, tênis, camisa do São Paulo. Ganhando ou perdendo, nunca, jamais, em momento algum fui ameaçado por torcedores rivais. No começo eu tinha vergonha da calça branca, coisa de rapazes alegres, digamos, mas acabei me acostumando. Nem por causa dessa os outros torcedores alguma vez encheram o saco. E eu ia e voltava sozinho. Hoje em dia não teria sobrevivido ao meu primeiro jogo. Pelo menos não sem antes passar pelo hospital.

Em 72 as divergências internas na torcida ficaram mais agudas e a torcida se dividiu em duas: uma parte, que se proclamou Independente, chefiada pelo tal Helio Silva, e outra que se proclamou TUSP, mas teve vida curta.

O grande racha aconteceu durante a Libertadores de 72, no Paraguai. Não recordo mais os porquês da coisa. E também nessa época eu já começava a militar na política, clandestinamente, pois vivíamos o auge da ditadura. Durante alguns anos a política foi minha razão de viver e deixei o futebol meio de lado. Até porque esse negócio de torcer pra time de futebol era alienante. Um dia, uma tarde de quarta-feira, fui ao Parque Antártica ver um jogo do São Paulo contra um time do interior. Sim, o São Paulo jogou muito no Pacaembu e um pouco no Parque Antártica, para ter alguma renda, pois ninguém ia ao Morumbi numa tarde ou noite de quarta-feira. E nesse jogo, para minha surpresa, descobri sentado ao meu lado um companheiro de militância, também escondido, não tanto da polícia, pois a gente não era assim tão perigoso, mas principalmente dos próprios companheiros para evitar o patrulhamento.

Naqueles primeiros anos dos setenta a gente convivia bem com as torcidas adversárias, o que não impediu um quebra no Pacaembu, em jogo contra a Lusa. Perdemos o jogo e perdemos a briga. Foi o dia em que mais apanhei. Primeiro, dos lusos e depois da Polícia Militar. Que saco! E tudo a troco de nada, só pra não deixar passar barato a provocação dos caras na saída. Baita tolice.

A tolice cresceu, ficou grande, adulta, “de maior”. E ficou criminosa. Antes eram as briguinhas na base dos murros e chutes, coisa de moleques bestas. Num certo momento tudo isso se transformou, virou coisa de vida e morte. Uma pena, um pecado, um grande pecado.


Marcadores: