O falso mito da Libertadores
O jogo parecia-me normal, típico de uma partida bem disputada da Copa Libertadores.
O estádio, um pouco pequeno, estava lotado, a torcida cantando o tempo inteiro, animando e empurrando seu time contra um visitante de nomeada, poderoso, vindo do Brasil. Faltas normais, de jogo, uma ou outra um pouco mais forte, nada porém digno de chamar a atenção.
O final do primeiro já se aproximava quando o time da casa abriu o placar.
Um gol que nasceu com um certo auxílio, digamos, do goleiro adversário.
Festa, no campo e na arquibancada.
Reiniciada a partida, o time visitante parece querer correr mais do que corria antes. Bola para fora, o pegador de bolas, um garoto, não tem muita pressa em devolver a pelota. Subitamente, aparece ao seu lado um jogador do time visitante, correndo. Tira-lhe a bola e dá-lhe um empurrão. O garoto cai e o juiz, a poucos metros, corre em direção ao jogador. Sem titubear, mostra-lhe o cartão vermelho.
Dois minutos depois, um ataque do time da casa termina com a bola fora, pela linha de meta. Na jogada, um zagueiro visitante e o atacante local caem, a bola já fora, ambos encostados à linha de meta e dentro da grande área. O zagueiro levanta-se e, antes de se afastar do atacante ainda caído, dá-lhe um chute no rosto. Não um chute forte, mas um chute. No rosto. A arbitragem não vê o lance, ocorre um início de tumulto, mas fica só por isso.
Terminado o intervalo, os times voltam a campo. O visitante, como é natural, deve voltar mais calmo, cabeça no lugar, um jogador a menos, perdendo por 1x0, é hora de esfriar o jogo e tentar o empate em rápidos contra-ataques.
Certo?
Sim, em tese.
Então foi o que aconteceu, certo?
Não, não foi assim. Com poucos minutos de jogo, cinco ou seis, não recordo, o lateral-direito visitante simplesmente dá um chute nas costas de um jogador local, pegando-lhe as costelas. O árbitro corre e, embora o lateral já tivesse um cartão amarelo, mostra-lhe o vermelho. O lateral, pela gesticulação, diz que não viu o adversário. Impossível, simplesmente.
Não fosse o intervalo, tudo isso, do gol à segunda expulsão, teria ocorrido em cerca de dez ou doze minutos.
O visitante, que todos já identificaram, perdeu o jogo por 3x0. Um resultado até pequeno, dadas as circunstâncias.
Muito bem, vamos a uma pergunta fundamental?
Por que o experiente time do Flamengo perdeu a cabeça, perdeu-se e perdeu o jogo?
A arbitragem não influiu no resultado. Cometeu alguns erros, mas aqueles típicos, comuns a todos os jogos, nada dramático. De certa forma foi até favorável ao Flamengo ao não expulsar seu capitão, Fábio Luciano, ainda no primeiro tempo.
O que, então, terá levado um time como esse, que sequer é dos que mais cometem faltas, a ter um jogador empurrando um gandula (o nome disso, embora feio, é agressão), seu experiente capitão chutando o rosto de um adversário caído, e o não menos experiente lateral chutando as costelas de um adversário?
Provavelmente, a força, ainda que inconsciente, do velho mito segundo o qual nos jogos da Libertadores vale tudo, os adversários sul-americanos batem o tempo todo, catimbam antes, durante e até depois do jogo e os árbitros nada marcam, tudo relevam. Esse mito vai mais além, e inclui agressões por parte da torcida, pedradas, barulho na rua para não deixar os jogadores adversários dormirem, entre outras coisas.
A primeira parte é falsa, embora de vez em quando tenhamos alguns jogos meio atípicos. Os times sul-americanos evoluíram, jogam hoje, na média, melhor que antigamente, quando, a rigor, somente argentinos, brasileiros e uruguaios jogavam bom futebol (mas, mesmo sendo donos de bom futebol, o “bicho” pegava feio nos jogos contra eles, inclusive entre as seleções). As provocações diminuíram e o futebol cresceu. A violência em campo diminuiu muito, as arbitragens melhoraram e como a arbitragem nos demais países sul-americanos é mais à européia que à brasileira, os jogos fluem mais e têm baixos números de faltas. A televisão vem mostrando todos os jogos para todo o continente há muito tempo, e agora para todo o mundo. Antigamente não existia a menor preocupação com o doping, ao contrário de hoje em dia. Atualmente, jogar
A segunda parte, porém, ainda é muito verdadeira. Na semana anterior, no jogo contra o Atlético Nacional
Dentro de campo, porém, nada anormal. O time da casa saiu na frente e o São Paulo conseguiu empatar, levando o empate até o final, sem dramas, sem acidentes ou incidentes, sem faltas mais duras, sem bate-boca destemperado com adversários ou arbitragem.
Outros jogos, todos eles, aconteceram sem problemas dignos de notas.
Volto, então, à mesma pergunta: o que provocou o nervosismo e as reações destemperadas dos jogadores rubro-negros?
Creio que a falsa necessidade de ser mais catimbeiro que o time uruguaio, bater primeiro para não apanhar depois, ou bater para revidar. Falsa por se basear no já citado mito. Tudo bobagem, felizmente. Se tais atitudes nunca foram boa prática, hoje o são menos ainda. Vale repetir: a Copa Santander Libertadores é vista em mais de uma centena de países e esse número vai crescer, assim como vai crescer, também, o número de países que verão jogos integrais e não somente compactos. Portanto, até por uma questão de imagem de nossos clubes, comportamentos desse tipo precisam ser evitados.
O Flamengo perdeu o jogo porque estava com a “cabeça quente”. Pequenas coisas como um gandula que retarda a entrega da bola ou marcações equivocadas da arbitragem, não podem ser o estopim de nervos alterados. Profissionais devem ser treinados a se comportarem com frieza diante de situações adversas. Ganham para isso, treinam para isso, são preparados, teoricamente, para isso.
Conquista-se a Copa Libertadores, hoje, simplesmente jogando futebol.
O tempo da porrada já passou há muito.
Felizmente.
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