Hoje, há 30 anos
Que ano foi aquele 1977!
Que ano, meus amigos.
Inesquecível sob inúmeros aspectos.
No Centro Velho paulistano, a gente saía às ruas em passeatas contra a ditadura.
A polícia chegava e descia o cassetete. A gente virava uma esquina, a massa humana correndo, fugindo das cacetadas e dava de cara com um veículo blindado do Choque da PM com um canhão-d’água.
Brutal, brutal...
Mas tudo valia a pena, pois a alma não era pequena e a gente acreditava num futuro (que não é bem esse presente, entendem?). E, apesar das bordoadas, respirávamos o doce ar da distensão lenta, gradual e segura.
Ah, tá, o futebol, sim, como não falar do futebol.
Aquele foi mais um ano em que minha paixão pelo esporte bretão que consagrou Basílio ficou meio sufocada. Não era de bom tom para um militante sério e dedicado como esse escriba ficar vendo jogos de futebol, ainda mais torcendo para o time da elite burguesa. Se ainda torcesse para o “time do povo”, quem sabe...
Os (são-paulinos) mais radicais vão me desculpar, mas falar de 77 e não falar do título corintiano é algo impossível para quem viveu aquela época. A grande verdade é que São Paulo parou e, com ela, todo o estado e talvez boa parte do país. Pode parecer exagero, mas foi assim. Havia um verdadeiro desespero no ar por um título corintiano, que já tinha chegado muito perto no ano da “invasão do Maracanã”. Palmeirenses torciam como loucos, naturalmente contra. Nós, são-paulinos, que tínhamos amargado 13 anos de seca, assim como os santistas, não estávamos propriamente secando, torcendo contra na mesma medida dos palestrinos. Eu mesmo, vendo o sofrimento da minha avó, meus tios e primos, até torci a favor, ou antes, mais desejei que vencessem do que torci, propriamente. Foi um momento inesquecível do futebol, mesmo não tendo acontecido com o meu time.
Ah, é verdade, essa crônica deveria ser sobre o São Paulo e o primeiro título brasileiro. Então, ao Time do Coração, no caso, o meu, e hoje não estou falando em Timemania.
É difícil para o torcedor de hoje entender o que foram os anos 70 para nós, são-paulinos. Vínhamos de longos treze anos de fila, com times de pouca expressão, onde o único craque era o inesquecível Roberto Dias. Só falávamos, peito estufado, que estávamos construindo o maior estádio particular do mundo, o que foi verdadeiro por algum tempo, talvez até por um bom tempo. Roberto Dias e Morumbi, nossos únicos craques. Éramos, ainda, uma torcida pequena. Corintianos e palmeirenses batiam-nos com folga. O Palmeiras era a Academia, o que já dizia tudo que se precisava saber. Fechava o quadro o Santos de Pelé (até 1974). Falar o que desse time?
Dureza, viu... Ser são-paulino era um exercício diário de fé, de esperança naquela década dos sessenta, de tantas transformações no planeta e no Brasil.
1977 já era um ano diferente dentro desse cenário.
Já tínhamos belos títulos recentes em nosso repertório, e grandes times, com Gerson, Rocha, Toninho, o grande Roberto Dias, Paraná, Terto, Jurandir, São Sérgio Valentim...
Pelé já tinha parado no Santos e estava se despedindo do Cosmos e a Academia era, para nós, apenas mais um clássico.
O título do Corinthians deixava tudo igual, éramos todos iguais, de certa forma, até mesmo a Portuguesa, que, bem ou mal, “armandamente” ou não, era a campeã de 73 ao lado do Peixe.
No Brasileirão de 77 ficaram todos para trás e o São Paulo chegou à final.
O grande time do Brasil era o Galo, o Clube Atlético Mineiro de futebol tão bonito quanto infernal, o time de Reinaldo. As gerações mais novas se encantam com Ronaldo e Romário... Pois sim, se os carniceiros tivessem preservado os joelhos de Reinaldo, não haveria comparação possível, nem mesmo com o nosso Careca. Reinaldo foi, penso aqui com meus botões, um dos maiores atacantes que vi jogar, fora Edson Arantes do Nascimento, sempre supremo. Infelizmente, seu tempo foi muito curto.
O Galo tinha, também, Toninho Cerezzo, um volante metido a jogador de futebol – onde já se viu? – meio desengonçado, e que a gente não perdoava por ter sido palhaço antes de jogador. Pois é, o tempo passou e Cerezzo é um dos grandes heróis Tricolores. João Leite era o goleiro, bom à bessa, geralmente, mas de vez em quando...
E o São Paulo era o time do Serginho, o grande artilheiro do Brasil, sem a menor dúvida, naquele momento. Serginho era um terror, apanhava sem dó e batia idem, não tinha dó de zagueiro. Para sorte dele, os jogos eram gravados com três ou quatro câmeras, apenas, e mesmo assim só nos clássicos. Era, também, o São Paulo do primo do Rivelino, o garoto Zé Sérgio, simplesmente infernal. Era o São Paulo do grande e valente Chicão e de um gringo que só vivia no Departamento Médico – hoje seria chamado de Chinelinho Rei – o Dario Pereira. Getulio e seu canhão, Tecão, Viana, Antenor... Era o São Paulo de Waldir Peres, um dos nossos grandes heróis e grande goleiro.
Ah, era o São Paulo de Rubens Francisco Minelli.
Dizem que eu só defendo o Muricy, que nunca critico o Muricy e coisa e tal. Pode ser, pode ser, mas se defendo Muricy, a culpa é desse cara, o Minelli. Com ele eu aprendi, na marra e na porrada, que um bom treinador tem que ser respeitado e apoiado sempre. Nós, torcedores à época, torcemos nossos sábios narizes não à sua chegada, coroado como bi-campeão brasileiro (ou já era tri? Estou em dúvida e sem tempo de conferir os alfarrábios), mas ao seu trabalho. Ele mudou o São Paulo inteiro, de cabo a rabo. Transformou. E não é que um belo dia ele me pega o Bezerra, nosso regularzinho lateral-esquerdo, e faz do cara um portentoso quarto-zagueiro? E botou o Antenor na esquerda, ele que jogava na direita, feudo do Carão, o Getúlio. Botou o Dario Pereira até no ataque, tudo bem, um falso atacante, mas lá estava o jovem Don Dario, de certa forma antecipando modernas escalações. Foi esse Minelli que nos conduziu à conquista de nosso primeiro grande título, nosso primeiro Brasileiro e contra um time muito melhor.
Minelli, a quem sou grato por ter escalado e jogado com Mirandinha. Por quem chorei litros de lágrimas no seu retorno aos gramados. Que marcou um lindo gol contra o Grêmio, em nosso melhor jogo daquele campeonato, que de novo levou-me às lágrimas. Nossa, como eu sou grato ao Minelli e, sobretudo, ao São Paulo F.C., que manteve o Mirandinha sob contrato com toda a dignidade do mundo, por longos, intermináveis três anos e tanto, até seu retorno. Tudo isso naquele ano de 1977.
E no dia do jogo, ora, ora, ora... Que história essa!
Muricy estava machucado há meses. Nosso mais brilhante... sei-lá-o-que. Era difícil dizer sua posição. Ele já era um meia-atacante pela direita, coisa modernosa, e também já era ranzinza e briguento, marcava, dava combate, por isso não posso dizer que era um meia-direita clássico.
Muricy, como Telê, já nasceu moderno. E mal-humorado.
Mas Muricy também disputou a final contra o Galo. Em São Paulo e em Belo Horizonte eu lembro do tititi “Serginho joga, Serginho não joga”. Diziam que o São Paulo tinha entrado na justiça e conseguido um efeito suspensivo pro Serginho. Os atleticanos enlouqueceram e queriam pôr o Reinaldo, também suspenso, em campo. Minelli foi, com o perdão da palavra, sacana. Muito sacana. Escalou Muricy, que pegou Serginho, botou num avião fretado e foi com ele pro Mineirão, que felizmente é pertinho da Pampulha e do Aeroporto. Que clima criou o “seu” Minelli, minha gente.
No fim, Serginho não jogou. Nem jogou a Copa da Argentina, uma perda irreparável para ele, para Coutinho e para o Brasil. Pegou 14 meses de gancho, um absurdo sem tamanho.
Aí vem tudo que todos já sabem.
O jogo foi 0x0, foi duríssimo, Neca entrou no Ângelo e quebrou sua perna – os boleiros diziam que o Ângelo entrava por cima e o Neca entrou por cima também, preventivamente, como contou mais tarde, chateado... – e o Chicão deu-lhe um pisão que entrou para a história. Ainda hoje, os mal informados dizem que ele quebrou a perna do Ângelo, o que é pura abobrinha. Mesmo assim, Chicão, a partir do ano seguinte, jogou no Galo e virou ídolo inesquecível num grande time, o mesmo que foi, digamos, vítima de terrível arbitragem num jogo contra o Flamengo, o mesmo time que foi para a final da Libertadores e dali para Tokyo e o título mundial.
Waldir Peres foi o herói do título de uma forma, de novo, sacana, com aquelas passadas de mão nos traseiros da molecada atleticana. E rindo a toda hora, como dava risada o Waldir Peres, ô coisa mais irritante! Pros adversários, claro.
Nossa, como foi bom ser Campeão Brasileiro!
Nós, a tal da quarta força, ou até quinta, para alguns, novamente, sacanas, éramos campeões do Brasil. Bom demais aquilo tudo.
Foi nossa decolagem para o futuro. Amadurecemos, acredito, como clube, como equipe de futebol. Foi muito legal ter vivido tudo aquilo, desde os tristes anos sessenta, porque hoje essa história desenrola-se na retina da memória como um filme mesmo, no qual uma cena conduz à outra, às vezes com uma edição mais demorada, mas sempre ali, o filme seguindo gloriosamente. Muito do que somos hoje devemos aos heróis de 77.
Obrigado.
Bom, eu tanto falei em 77, mas... Caraca, hoje é 5 de março de 2008!
Como assim 30 anos?
Coisas, minha gente, do velho futebol tupiniquim, pois o ano de 1977, no futebol, terminou em 5 de março de 1978.
Escrevi essa crônica a pedido do Barão, para o site SP Net, onde ela foi inicialmente postada.
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5 Comments:
At 9:27 PM, Unknown said…
Grande Emerson,
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Meu pai que fala que 77 foi um grande ano,pois o Vasco foi Campeão Carioca e eu nasci.hehehehehehehehe
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E muito chato aquele lance lá do blog do Cereto,eu tenho em mim que se não gosto do estilo do blog não vejo,o dele mesmo eu não dava muita bola,pois era mais futebol paulista,mas o cara mora em SP ele tem é mais que escrever daí mesmo.
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Abraços e boa sorte pro seu São Paulo hj contra os italianos do audax ou ao contrário sei lá,hehehehehehe
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At 12:43 PM, Emerson said…
Hahahahahaahaha...
Desses eventos, Alessandro, eu sabia do título do Vasco e não sabia da tua chegada, por sinal, mesmo ano em que chegou minha filha.
Quanto ao Cereto, a internet é assim mesmo, ou melhor, assim são as pessoas. Mas a parte boa é maior e compensa tudo.
At 3:54 PM, Unknown said…
Tenho 26 anos, portanto não acompanhei as finais de 1977 onde o Galo terminou invicto no campeonato nacional, na somatoria dos pontos 11 a frente do Sao Paulo, conheço atleticanos que juraram nunca mais pisar no Mineirão depois deste fatídico jogo...tudo bem, existia o regulamento que foi cumprido, logo em 1981 e 1982 tbm não acompanhei as finais do Brasileiro e a Semi da Libertadores, jogos contra o Flamengo que são famosos pela influencia da arbitragem, o que eu quero com isso é expor a sina do meu time, em alavancar concorrentes ao triunfo, pois veja bem. O São Paulo começou a obter sucesso apartir de 1977, o flamengo só é o que é hoje graças as conquistas de 1981 e 1982 onde foi pra final da Libertadores apos aquele jogo do Serra Dourada, e sagrou-se campeao em cima do Colo Colo....Ser atleticano é padecer no paraiso....mas o nosso dia há de chegar....Galo sempre.
At 8:28 PM, Anônimo said…
Prezado Emerson,
Maravilhosa sua crônica sobre esse grande jogo.
Estava lá e no auge dos meus 7 anos chorei junto com a garotada do Galo saindo de campo abraçada.
Foi um grande jogo e seria melhor se o Reinaldo e o Serginho tivessem jogado!!
O Galo foi muito prejudicado pela suspensão do Rei, que foi julgado por uma expulsão ocorrida 4 meses antes num jogo contra o Fast em que após fazer 5 gols ele foi mais uma vez agredido e reagiu com um empurrão, mas isso é passado.
O que importa é que tive o prazer de ver o Rei e o grande time do Galo jogar.
Não vi Pelé mas concordo com você sobre o Rei, atacante igual a ele no Brasil talvez só Romário no seu auge, e olha que o baixinho sempre falou que o Rei foi seu ídolo de infância.
E parodiando o que já foi dito, se o rei não ganhou um brasileiro, azar do Campeonato Brasileiro.
Só para te lembrar e provocar um pouco no ano seguinte, na Libertadores, o Galo eliminou o São Paulo com facilidade e só parou ao perder para o Boca na Bambonera sendo que o Boca em seguida ganhou a libertadores.
Forte abraço do amigo,
Cristiano MG
At 11:24 AM, Anônimo said…
lembro de cada detalhe...
muita emoção.
Waldir foi e é meu grande ídolo...
Primeira vez que fui comemorar na Paulista...
Mas desse campeonato, não me esqueço do jogo contra o Operário, semi final, acho..
O que foram aqueles 15 min finais?
Coisa boa de lembrar e guardar...
Sds
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