Torcedor, Consumidor ou Simpatizante?
Até poucos anos, o Chelsea era um clube londrino com um bom e mediano time de futebol, uma boa história e um razoável número de torcedores concentrados em Londres e arredores. Nada que assustasse o rival Arsenal, por exemplo. E seguia sua vida de time intermediário placidamente, de vez em quando agitada por alguma vitória inesperada ou uma derrota preocupante.
Até que de repente, surgido do nada, ou melhor, surgido da emergente Rússia capitalista, Roman Abramovich entrou em cena. Comprou o clube. E passou a injetar milhões de euros. Dezenas de milhões de euros. Centenas de milhões de euros.
Como já leram os leitores desse blog, Ferran Soriano, falando sobre as mudanças ocorridas no mundo do futebol, referiu-se a esse evento como “de repente aparece um russo louco e injeta centenas de milhões de euros num clube, fazendo o mercado dar uma nova guinada
É muito dinheiro, qualquer que seja o parâmetro, qualquer que seja a moeda.
O resultado disso foi o crescimento do nome, melhor ainda, da marca Chelsea, pois o time de estrelas, algumas inflacionadas, dirigido por José Mourinho, passou a ganhar jogos, ganhou títulos, conquistou espaço na mídia e na mente de muitas pessoas.
Ao ponto de crescer de quatro a cinco vezes nas pesquisas sobre torcidas realizadas na Europa, transformando-se na sétima maior torcida européia – ver o post de ontem, 27 de fevereiro – “Barça e Madrid – as maiores torcidas da Europa”.
Quatro a cinco vezes de crescimento em 5 anos...
Espantoso!
Mas...
Péra lá!
Terão tantos corações assim mudado de amor?
Coração? Amor?
Hummmmmmmmmm...
Tenho dúvidas. Minha pouca experiência mostra que as pessoas mudam de religião... Mudam de ideologia... Mudam de esposa ou esposo... Mudam até de sexo!
Mas, francamente, mudar de time? Não depois que a consciência do ser ganha forma. Uma criança ainda pode mudar de time e muda, nos dias de hoje, com alguma freqüência. Mas com mais de dez, onze anos de idade, o time do coração é algo imutável. Como na Europa não há tanta criança assim para justificar tão espantoso crescimento... (Aliás, faltam crianças na Europa, até para garantir o futuro.)
Então, possivelmente, não foi o número de torcedores do Chelsea que cresceu. Foi o que então? Que nome devemos dar a esse novo tipo de torcedor? O mesmo tipo de torcedor que fez a torcida do Real Madrid decrescer 11% nos mesmos 5 anos.
É torcedor mesmo? Torcedor-torcedor, como conhecemos?
É simpatizante?
Ou é, talvez, um consumidor apaixonado?
Apaixonado consumidor do espetáculo chamado Futebol e de todas as traquitanas e símbolos a ele acoplados: camisas, roupas, brinquedos, objetos de uso pessoal e muito mais.
Esse torcedor-consumidor – está difícil encontrar um termo para ele – vai aos campos, canta, agita bandeiras, veste a camisa. Identifica-se com aquele time que está em campo, faz parte da tribo, do clã, da turma Chelsea. Mas, possivelmente, trocará o Chelsea pelo Liverpool ou pelo Barcelona, com alguma facilidade, caso o time de Abramovich despenque, fique sem ganhar, perca seu charme vencedor, diminua sua presença na mídia e, consequentemente, fique menos exposto aos caprichos da mente.
Sim, a mente, essa volúvel, pois o coração, sabemos todos, desconhece o que seja volubilidade.
Será esse, também, o perfil do torcedor do futuro?
Já tinha esse post mais ou menos alinhavado quando li o comentário do Paulo Machado questionando justamente esse torcedor, ou “torcedor”. O Paulo vai mais longe e fala do piracicabano declarando-se “torcedor doente” do Manchester.
Pois é, difícil acreditar que esse torcedor seja mesmo um torcedor-torcedor, daqueles que, como diz o Paulo, “acompanham o time, conhecem sua história, seus ídolos etc.”
O que dizer, então, dos blaugranos ou que se dizem blaugranos? Torcer para o Barcelona é algo que transcende ao campo esportivo. Envereda pela nacionalidade catalã, pela história, pela rivalidade, às vezes guerra, entre Barcelona e Madrid, pela unificação da Espanha contra a vontade de vários de seus povos, passa pela Guerra Civil e pelas centenas de milhares de pessoas que nela pereceram, passa por uma visão de mundo e da vida.
Mesmo assim, o Barça tem 60% de sua torcida européia fora da Espanha, e o Real Madrid tem 50%, conforme outra pesquisa, essa da Sportfive, também disponível nesse Olhar Crônico Esportivo – clique na tag Pesquisa ou Ranking. Isso, Paulo, por sinal, responde ao seu questionamento sobre a torcida do Barça ser maior que a população espanhola.
Pesquisas podem estar erradas, seus números podem ser maiores ou menores que a realidade, mas uma coisa é incontestável: a receita desses clubes é gigantesca e vem crescendo num ritmo quase alucinante. O Chelsea pode não ter mais torcedores “de coração” que muitos outros times, mas têm muito mais consumidores apaixonados, que se não lhe dão a vida, dão dinheiro, retorno e visibilidade.
Sinal dos tempos.
E nós?
E o futebol da Terra de Vera Cruz?
Passaremos por algo semelhante?
Uma coisa é certa: entre a rapaziada mais jovem Milan, Barça, Madrid, Manchester, já são presenças fortes, figurinhas fáceis de serem encontradas por toda parte, desde um café da manhã entre amigos, quando um deles veste uma camiseta de grife Barcelona, até os corredores dos shoppings e motoristas aborrecidos no trânsito congestionado.
Fica a pergunta. Ficam muitas perguntas no ar.
Devagar, poderemos conversar sobre várias dessas questões.
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