A matéria a seguir é uma transcrição da revista “Veja” dessa semana.
“Veja” é a maior e mais importante revista brasileira e, ao lado dos jornais “O Estado de S.Paulo”, “Folha de São Paulo” e “O Globo”, a mais importante publicação brasileira.
Essa matéria sintetiza muito bem o porquê do desastre, e eu concordo em tudo com ela. Vale frisar que os repórteres tiveram acesso a informações de bastidores bastante interessantes.
6 razões (certas)
para odiar a seleção
Na hora da derrota, exageros e injustiças são comuns. Mas
Parreira e seu time de fato
cometeram erros, que trazem
lições úteis para 2010
Carlos Maranhão e André Fontenelle
DE FRANKFURT
Tão tradicional quanto o desfile em carro de bombeiros que celebra cada Copa do Mundo conquistada pelo Brasil é a caça às bruxas que se sucede às derrotas. No calor dos acontecimentos, cometem-se injustiças. Culpar uma única pessoa, como se tentou fazer com o lateral Roberto Carlos ou o técnico Carlos Alberto Parreira, é minimizar a responsabilidade coletiva no fiasco. Recriminar Ronaldinho Gaúcho porque foi a uma boate na noite seguinte, Ronaldo pelas suas férias em Nova York ou Adriano por ter comprado um carro de luxo é secundário. Jogadores que perdem a Copa não precisam recolher-se a mosteiros para expiar a culpa. Isso não quer dizer que não haja lições a tirar dos erros realmente cometidos. Foram muitos. Nem todos influíram diretamente no resultado. E é preciso reconhecer o mérito dos adversários. Mas há razões certas para o torcedor odiar a seleção .
1. Faltou humildade
Por mais que, da boca para fora, os jogadores advertissem para o risco do excesso de confiança, o time foi contaminado pelo otimismo. "Não queremos dar exibição de gala nos primeiros jogos", dizia Parreira, traindo a convicção de que o show viria a partir das quartas-de-final. Roberto Carlos, o bode expiatório maior por sua postura imóvel (e curvada) no lance do gol francês, alegou que não se moveu para deixar impedidos os atacantes adversários. Em seu favor, pode-se lembrar que apenas três minutos antes, em jogada bem parecida, Henry estufara a rede de Dida, mas foi marcado impedimento. Na verdade, não foi só pelo lance do gol que a torcida elegeu Roberto Carlos como culpado número 1. Além de uma Copa decepcionante, em que apareceu poucas vezes (e mal) no ataque, o lateral do Real Madrid paga o preço por sua atitude altaneira, que beirou a arrogância.
2. Faltou garra
No intervalo do jogo contra a França, o silêncio no vestiário foi assustador. Com a partida ainda empatada, embora fosse evidente a vantagem psicológica do adversário, o clima entre os brasileiros era de apatia. "O time amarelou", diz um dos membros da comissão técnica. A "amarelada" não se aplica a todos os jogadores. Em campo, a defesa portou-se bem. No meio-campo, Gilberto Silva e Zé Roberto, mesmo sem brilhar, não comprometeram. Ronaldo, nos minutos finais, esforçou-se para tentar o gol de empate. A acusação parece se dirigir aos dois criadores de jogadas da seleção, Kaká e Ronaldinho Gaúcho. Kaká não pode ser acusado de falta de empenho. O problema é que, depois da boa estréia contra a Croácia, nada mais deu certo para ele. Seu olhar, procurando no telão do estádio o tempo que faltava, denunciava a impotência diante de um resultado que ele não conseguia reverter. Ronaldinho, pela expectativa que se criou, foi a grande decepção do Mundial. Jogo após jogo se aguardava o momento em que ele confirmaria em campo o título de o melhor jogador do mundo. Esse momento nunca veio. Pior: o craque do Barcelona jamais deu sinais de se inquietar. Na concentração da seleção, passava o dia jogando videogame e comandando batucadas, como se a Copa do Mundo fosse uma colônia de férias.
Para ele e para outros, faltou o que o ex-jogador e técnico argentino Daniel Passarella chama de "fome de glória", ou seja, uma vontade enorme de buscar a consagração. Não se duvida que jogadores como Ronaldinho Gaúcho, Cafu, Roberto Carlos e Ronaldo quisessem ganhar mais uma taça. A questão é que perdê-la não chegou a ser uma tragédia pessoal. Se pararem agora, continuarão sendo celebridades por algum tempo e milionários pelo resto da vida.
3. Faltou um líder
Parreira deixou de aplicar algumas das lições que oferece aos interessados em suas palestras motivacionais. Uma delas é que todo grupo precisa de um líder. A seleção de 2006 não tinha nenhum. Por causa disso, num elenco já dividido entre evangélicos e pagodeiros, os veteranos que não queriam sair do time, como Cafu, Roberto Carlos e Ronaldo, e os novatos que queriam entrar, caso de Juninho Pernambucano, Robinho e Cicinho, formavam dois partidos opostos. Quando questionado a respeito, o técnico afirmava que a liderança estava distribuída entre vários jogadores. Bobagem. Cafu era capitão desde 2002, quando uma lesão tirou Emerson da Copa, pelo critério de antiguidade. Faltavam-lhe autoridade e carisma. Dentro de campo, com o time perdendo por 1 a 0, não havia um jogador com a voz de comando de Didi em 1958 ou de Dunga em 1994. Um dos motivos desse vazio de liderança é que a maioria dos jogadores vive num casulo próprio. Cercados no exterior de parentes e apaniguados a quem sustentam, têm assessores e empresários que os superprotegem enquanto cuidam de contratos, aparições públicas e entrevistas. Nos hotéis alemães, cada um se isolava em seu quarto. Falavam pelo celular o dia inteiro com namoradas, mulheres e amigos. Só se reuniam no ônibus, nos treinos, nas batucadas ou nas sessões de leitura da Bíblia.
O próprio Parreira não soube mandar na hora certa. Confiou demais nas virtudes dos craques. "Eles têm um poder de decisão excepcional", dizia. Não foi visto ralhando com os jogadores, corrigindo detalhes nos treinos, pedindo raça a Ronaldinho Gaúcho. Apesar de falante e de não se cansar de atender jornalistas, nunca abriu a guarda para ouvir conselhos e críticas de pessoas próximas. Conta uma delas: "Eu tentei, mas ele ficou na defensiva e jamais me deu uma brecha. Infelizmente, ninguém teve coragem ou oportunidade de mandá-lo dar um soco na mesa".
4. Faltou concentração
Antes da derrota, Parreira falou para alguns jogadores: "Hoje ninguém é amigo, vamos esquecer o Real Madrid, o Milan, o Barcelona e só pensar na seleção". Suas palavras se perderam no ar abafado do verão alemão. No túnel que dá acesso ao gramado, vários brasileiros trocaram cumprimentos e abraços com os franceses, como se fossem disputar um amistoso beneficente. Ao final do primeiro tempo, Robinho correu que nem uma tiete para pedir a camisa de Zidane. Ser cordial com o adversário é saudável, mas essas cenas transmitiram falta de foco. "Um jogador que faz isso numa Copa do Mundo está totalmente desconcentrado", afirma o preparador físico Nuno Cobra, autor do best-seller A Semente da Vitória, sobre a importância do preparo emocional para um atleta. Essa camaradagem aconteceu durante a Copa inteira. Antes do jogo entre Inglaterra e Equador, Roberto Carlos mandou um torpedo pelo celular para David Beckham, seu chapa no Real Madrid, pedindo que ele marcasse um gol de falta. Foi atendido. Pena que o lateral não tenha feito o mesmo com Ronaldinho Gaúcho, que chutou para fora sua cobrança a dois minutos do fim do jogo contra a França.
5. Faltou treinamento
Antes da Copa, pela vontade de Parreira, a CBF marcou apenas um amistoso sério – e ainda assim contra a Nova Zelândia, 118ª colocada no ranking da Fifa. Nesse mesmo período, a França se preparou enfrentando times fortes, como México (4º no ranking) e Dinamarca (11ª). "Enquanto os outros estão jogando, nós estamos treinando", considerava Parreira. "É uma opção planejada." Depois, incluiu a falta de jogos no rol das razões da derrota. Os treinos da seleção em geral eram animados bate-bolas em metade do campo, com os jogadores fora das posições habituais. "Esses treinos reforçam os fundamentos do futebol, atacar e defender", acreditava Parreira. Em campo, não foi o que se viu: os jogadores estavam desentrosados.
6. Faltou previsão
Parreira ainda seria pego de surpresa por alguns contratempos, que não chegaram a ser decisivos na derrota, mas foram uma fonte de inquietação a mais. O peso de Ronaldo foi um deles. Ele chegou à Suíça se recuperando de uma lesão na coxa direita. O que o técnico não sabia é que, além disso, o jogador estava com 94 quilos, 7 além do aceitável. Quinze dias antes da apresentação, ele mandou um recado para Ronaldo se cuidar. A mensagem entrou por um ouvido e saiu pelo outro. O Fenômeno chegou à seleção exibindo o que um dos membros da delegação chamou de "pescoço de Mike Tyson". Como se trata de um artilheiro excepcional, mesmo assim fez os três gols que o tornaram recordista absoluto da história das Copas.
Um imprevisto com que Parreira também não contava foram os problemas de saúde de Zagallo. Mais magro do que em seus tempos de jogador, devido a uma complicada cirurgia no aparelho gástrico no ano passado, o coordenador técnico de 74 anos foi pouco mais que um talismã na Copa – e uma permanente preocupação para a comissão técnica. Um dos médicos receitou-lhe um antidepressivo nos primeiros dias na Europa. Sem apetite, chegou a se alimentar apenas de sorvete. No dia da eliminação, acompanhou Parreira na sala de entrevistas. Entrou mudo e saiu calado, com lágrimas nos olhos. Mas, ao contrário de alguns, pelo menos foi sincero na hora de mostrar em público sua consternação.
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