Na Copa de 58 ainda não tinha 4 anos. Tenho vagas recordações, nada aproveitável. Mas em 62 eu já tinha 7 anos, recém-chegado de vez a São Paulo, para morar com meus pais, deixando para trás a fazenda. Lembro das transmissões dos jogos, lembro dos balões, lembro do clima de felicidade e lembro, e melhor, tenho até hoje a trilha sonora daqueles dias na minha cabeça:
“A taça do mundo é nossa,
Com brasileiro, não há quem possa,
Eeeeeta, Esquadrão de Ouro,
É bom no samba, é bom no couro.
O brasileiro lá no estrangeiro,
Mostrou o futebol como é que é,
Ganhou a taça do mundo,
Sambando com a bola no pé!
Gooooooollllllllllllllllllllllllll!”
Sofri com o fracasso de 66, depois sofri com as indefinições e o vai-e-vem chato de Saldanha - que tentou barrar Pelé - e Zagallo - que não aceitava Pelé e Tostão e Rivelino juntos -, até definir o time que, aleluia, seguindo a velha vox populi reuniu Pelé, Tostão, Rivelino, Gerson, Jairzinho e veio a tornar-se o maior esquadrão da história do futebol, isso na opinião isenta de europeus e povos de outros continentes.
Em 74 voltou a soberba, a arrogância, e com ela o fracasso.
Em 78, depois de nova safra de indecisões, Cláudio Coutinho – com ele começou a era dos treinadores biônicos, crias da CBF do clã Havelange – ouviu a voz das ruas, a vox populi novamente, ampliada pela imprensa, e o Brasil foi com um belo time para a Argentina dirigida, comandada por um bando de assassinos, verdadeiros psicopatas, que criaram um clima de guerra para a Copa do Mundo. Uma falha da FIFA. Deu no que deu.
E, finalmente, veio 1982 e um novo time que era a digna sucessão dos esquadrões de 58, 62 e 70.
Os deuses dos estádios não quiseram que fôssemos campeões.
Assim é a vida, entramos para a história vencidos, mas com a dignidade e o reconhecimento que só os grandes vencedores têm.
E depois, bom, depois veio um deserto.
Mudou o Brasil, mudou o povo brasileiro, mudou a sociedade brasileira, assim como mudou o mundo.
Dignidade, honra, reconhecimento, generosidade, encantamento... Antigos e nobres conceitos tornaram-se apenas vocábulos de outros tempos, fora de moda, em desacordo com os dias que correm.
O próprio conceito de nobreza foi perdido. Um pouco do que resta dele, e da generosidade no campo esportivo, foi substituído pelo moderno fair play. E mesmo esse, apesar de moderno e tudo o mais, corre o risco de ser tomado como ultrapassado e brega. Como esse texto, com certeza, recheado de velharias do século passado.
Transformaram nosso futebol em apenas mais um departamento de vendas de uma grande corporação. Importa vencer a todo e qualquer custo e aumentar as vendas. O resto é irrelevante.
As massas, em sua maioria, hoje, nascidas e criadas nesse ambiente, gostam e querem mais. Um bom indicativo da mentalidade reinante é que, nos lugares mais desenvolvidos e em linha com os novos tempos, já não se vai ao estádio e sim à arena. Bom, arena para mim sempre foi o espaço no qual os cristãos eram jogados para serem devorados pelos leões e onde, depois do almoço felino, gladiadores enfrentavam-se até a morte, para gáudio da platéia ensandecida. Em toda a minha vida nunca pus meus pés numa arena, sempre em estádios e “campos”, pois era mais fácil e claro dizer que ia pro “campo” do que pro estádio.
Estou triste porque preciso desligar a trilha sonora que embalou toda minha vida.
Mas ganhamos!
Sim, ganhamos, e é isso que importa, né?
Porém... Não mais mostramos o futebol como é que é.
Estamos, simplesmente, iguais aos outros, somos mais um na multidão, perdemos nosso diferencial, estamos sufocando nossa magia, estamos tirando das pessoas o encantamento ao qual, afinal, temos direito como humanos que somos.
Será que estamos nos desumanizando?
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