A Libertadores da América é única. Até porque não tem time do Nepal jogando no sopé do Himalaia.
Minhas lembranças de Libertadores vêm de muito tempo atrás, e com elas a primeira decepção, com um vice-campeonato perdido para o poderoso Independiente da Argentina. Vencemos aqui, perdemos em Buenos Aires e o jogo-desempate, que naquela época existia, foi em Santiago do Chile. Perdemos o jogo por 1x0, perdemos um pênalti, perdemos um título. Já naquele distante 1974 jogamos na altitude boliviana e voltamos de lá com um empate. Confesso que essa Libertadores, apesar do vice, pouco nos marcou. Só dezoito anos depois ela nos conquistaria de vez.
Muitos jogos da Libertadores estavam mais para batalhas campais que para jogos de futebol propriamente ditos. As falhas de suas senhorias, os árbitros, não eram grotescas, eram folclóricas. Não havia outra forma de nos referirmos a elas. Em 1981, Paulo César Carpegiani, então técnico do Flamengo, colocou um jogador em campo com a única finalidade de dar um murro em Mario Soto, jogador do chileno Cobreloa e que já tinha jogado pelo Palmeiras, devolvendo agressão que ele praticara no jogo anterior contra um jogador rubro-negro. Lembro-me do episódio e da minha incompreensão, pois não entrava em minha cabeça que o Mario Soto, que tantas vezes enfrentou o São Paulo e que vi jogar no Pacaembu e no Morumbi, pudesse agredir um colega brasileiro da forma como ele agrediu.
Que tempos aqueles!
92, 93, 94...
Dois títulos, dois títulos mundiais e o vice-campeonato em 94, o pênalti cobrado por Palhinha e defendido por Chilavert, goleiro do Vélez Sarsfield à época.
Nossa paixão, minha paixão pela Libertadores estava firmemente estabelecida. Dali em diante, tudo que nos importaria seria voltar à Copa, como a chamam nuestros hermanos de Latino America.
E agora aqui estamos, pelo quarto ano seguido.
Com o São Paulo, nada menos de mais cinco equipes brasileiras, quatro das quais foram campeãs da Copa e do Mundo. Só o Paraná é novato. Santos, Flamengo, Grêmio e Inter já tem intimidades com ela.
A Libertadores tem a cara e a diversidade da América Latina. Participa toda a América do Sul que fala castelhano, ao lado do Brasil, e mais o México. Breve, os times americanos e canadenses participarão, também. Quando isso acontecer, teremos jogos de Toronto até Buenos Aires. Quase que de um Círculo Polar a outro. Uma hipotética final entre o time da cidade canadense e outro de Buenos Aires, terá um jogo no inverno austral em confortáveis dois a cinco graus centígrados, e outro no incômodo verão setentrional, de repente com trinta e quatro ou mais graus centígrados.
Os contrastes também atingirão seus extremos totais, indo da riqueza norte-americana à pobreza peruana, equatoriana, brasiliana e outras.
Durante a disputa de uma Libertadores, joga-se ao nível do mar e joga-se a 4.000 metros de altitude, em Potosí ou Oruro. O acampamento-base do Everest está a apenas 5.300 metros. Não é pouca coisa. Sempre tem jogo em La Paz, a 3.700 m e em Quito, a 2.800 metros. E também na Cidade do México, a confortáveis 2.400 metros acima do nível do mar.
Joga-se em pleno deserto do Atacama e em meio às florestas luxuriantes do Brasil ou da Colômbia. O calor e a umidade de um jogo em Manaus, Belém ou Assunção, podem ser mais exaustivos e desumanos que os 4.000 metros de Oruro e Potosí.
Além de tudo isso, as distâncias são imensas e a estrutura é precária. Assim, em pleno ano de 200 6, os atletas da LDU de Quito demoraram trinta horas para chegar à Porto Alegre, saindo de Quito. Naturalmente perderam o jogo.
Para os times brasileiros, todos os outros times falam a mesma língua do juiz. Isso já foi complicado, hoje nem tanto, pois muitos jogadores já falam espanhol fluentemente. A televisão é soberana e sua presença acomoda as coisas, deixa tudo mais tranqüilo, inclusive a arbitragem do cara que fala a língua “deles”.
Participar da Libertadores virou coqueluche, moda, obsessão...
Dá status e dá um bom dinheiro, graças ao rico patrocínio da Toyota. Tudo indica que já em 2008 teremos um novo patrocinador, possivelmente com um reforço na injeção de recursos. A provável e breve entrada dos times da Major League Soccer vai aumentar ainda mais a penetração da Libertadores e vai aumentar as cotas por participação.
O São Paulo já abriu sua promoção para a compra dos ingressos dos três primeiros jogos. Isso vale para a compra de ingressos de arquibancada, cada uma a trinta reais, com desconto de 10%. A torcida comparece em peso e o Morumbi fica muito bonito. E vai ficando mais e mais bonito à medida que o time passa de uma fase para outra. E a renda da bilheteria, num caso único no Brasil, engorda de forma sensível a receita da equipe. Graças quase totalmente à Copa, a receita de bilheteria do São Paulo em 2005 atingiu, praticamente, 15% da receita total do Departamento de Futebol.
E, finalmente, a Libertadores pode abrir, inutilmente, as portas do mundo que, uma vez abertas, ficarão sem uso graças ao calendário da Terra de Vera Cruz.
Mas a Libertadores é linda e bom que podia ter um hino tal como a Champions League.
Um novo sonho começa essa noite para seis times brasileiros.
Se eu tivesse de comparar Libertadores e Champions League, diria que essa última é a corrida no oval de Indianápolis: emocionante, mas previsível, sempre a mesma coisa.
Já a Libertadores seria o rally Paris-Dakar, assim mesmo, imprevisível, com o nome antigo e as grandes emoções.
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