Crise: boa ou ruim?
Já lá se vão uns vinte e poucos anos. Era, à época, diretor de atendimento de uma grande agência de propaganda. O Brasil, para não perder o hábito, estava mergulhado em mais uma crise, coisa à qual a gente já nem ligava, pois as crises, assim como a inflação galopante, eram partes do nosso dia-a-dia. Minha função nada tinha a ver, pelo menos à época, com o trabalho de criar anúncios, tarefa nobre reservada aos deuses que habitavam o Olimpo das agências, o setor de criação. Meu negócio, e de meus auxiliares, era manter o cliente faturando cada vez mais, cada vez mais feliz com a agência e, claro, fornecer à criação bons briefings, para que bons anúncios, boas campanhas, fossem criados.
Mas...
Lendo um desses almanaques, hoje meio raros, mas outrora populares e até úteis, tinha lido alguma coisa sobre o significado de crise em chinês. Depois, talvez numa revista de economia, novamente tornara a ler aquele negócio: o ideograma chinês correspondente à palavra crise, ou à idéia de crise, é formado pela junção dos ideogramas de risco com o de oportunidade.
Risco + Oportunidade = Crise
Em reunião num cliente, uma trading company, soltei meio sem querer querendo a idéia de produzir um anúncio otimista, de esperança, fé no futuro, etc e tal, com todo o blábláblá de praxe para esse tipo de anúncio ou pronunciamento. E, atrevido e metido, bolei eu mesmo um anúncio, ali na frente do cliente, ousadia que valeu-me parabéns e uma baita CR, também conhecida por reprimenda ou esporro. Levei a idéia pronta e aprovada para a criação, que odiou tudo, mas, paciência, o anúncio saiu. Simples e direto: um chinês, morador da Liberdade, obviamente, desenhou com capricho o ideograma que ocupou, elegante e solitário, o centro da página. Embaixo vinha o blábláblá.
Ora, e a troco de que todo esse blábláblá num blog que se diz, ou se pretende, ser sobre futebol?
Simples: uma crise se avizinha, está prestes a cruzar o Atlântico. Pode-se dizer que ela já está bem instalada nas terras de Sua Majestade, a Rainha, e da invejada e invejável Premier League. Mas disso já sabiam os leitores deste Olhar Crônico Esportivo, ou pelo menos suspeitavam. Agora, é menos suspeita e mais realidade.
Os jornais impressos de hoje trazem com destaque matérias falando das dívidas acumuladas dos times da Premier League. Os vinte clubes que a compõem, devem, segundo o próprio presidente da entidade, mais de 6 bilhões de dólares. Nesse momento, a Premier League e a FA – a CBF britânica – já pensam em medidas a respeito. A FIFA já foi mais longe e Blatter disse claramente que esse assunto precisa ser examinado pela UEFA. Ele referia-se às fáceis compras de clubes por milionários oportunistas e em busca de boas oportunidades para ganhar dinheiro – o que não está acontecendo – ou para torrar dinheiro – o que está acontecendo. Em boa parte devido a essas aquisições, as dívidas explodiram. A UEFA, em aparente sintonia com a FIFA, foi além e pensa em blindar o futebol europeu contra a crise econômica provocada pelo crash de Wall Street e também, numa postura mais radical, estuda excluir de seus campeonatos os clubes com dívidas excessivas, caso não coloquem ordem em suas contas.
A crise está na mesa.
Os riscos se multiplicam
Segundo a Folha de S.Paulo de hoje, jogadores da Seleção que atuam na Europa, em especial na Inglaterra, estão preocupados com os efeitos desse imbróglio em suas carreiras e em suas vidas pessoais. Não é para menos, quando se sabe que somente a dívida do poderoso Manchester United já bate na casa do bilhão de dólares. Uma recessão econômica é certa. Os otimistas esperam que seja curta. Os pessimistas têm medo que o nome do monstro seja depressão e não recessão. Em decorrência, qualquer que seja a palavra, qualquer que seja a realidade, patrocínios serão afetados, como já estão sendo, assim como postos de trabalho serão desocupados, aumentando ainda mais os já altos índices de desemprego na União Européia. O número de 16 milhões de pessoas sem ter o que fazer para ganhar dinheiro e comprar comida e pagar o aquecimento no inverno, já começa a aumentar.
E as oportunidades ?
Bom, como sempre elas aparecerão e serão ótimas para aqueles que tiverem dinheiro na mão. Não é nosso caso. Por outro lado, tudo isso poderá resultar num fechamento da porteira que atrai, todo ano, os melhores jogadores do Brasil. Isto será ruim, péssimo, mesmo, para os jogadores, mas, por outro lado, poderá dar aos clubes brasileiros uma inesperada chance, ou oportunidade, para que montem times razoáveis, com boa qualidade e voltem a fazer dos jogos um espetáculo bonito e artístico. Espetáculos não nos faltam, e os jogos de ontem que abriram essa rodada demonstram isso. O que anda em falta para nossos times é a famosa qualidade, toda ela exportada e pulverizada por terras d’Europa e Ásia.
É isso.
O possível lado bom da crise, pois toda crise, dialeticamente, tem o ruim e o bom nela mesma.
Entretanto, para não repetir o “mas”...
A coisa aqui tá feia, como já disse um poeta famoso em música idem.
Bem feia.
É o que veremos.
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Marcadores: BR e Futebol Tupiniquim, Futebol europeu e resto do mundo, Marketing e Dinheiro, Palavra do Editor
3 Comments:
At 6:06 PM, Michael Serra said…
Todavia, parece que a oportunidade parece ser pequena demais, trazendo poucos benefícios em relação a crise. Dizem que no Brasil o crescimento ta garantido até o fim do ano, a coisa complica no próximo. Mas mesmo assim, cotas de patrocínio, por exemplo, não podem ser atingidas? E sem vendas pro exterior, e com os clubes ja gastando o que não tem... Não vejo boas coisas por aqui também...
Ah, obrigado pelas palavras hehe. Fui atrás da entrevista do Fajopa que disse, mas parece que ele a perdeu faz tempo (foi o que disse no blog do birner). Voce a teria ai?
Abraços o/
At 7:17 PM, ROD said…
Emerson, assunto off-topic.
Talvez você até já tenha lido, mas de qualquer forma, julgo ser um assunto do seu interesse.
O Juca postou lá no blog, a lista divulgada pela TV Globo dos 10 jogos de futebol com maior audiência em São Paulo no 1°semestre.
http://blogdojuca.blog.uol.com.br/
abraço.
PS-Pode tirar as suas vaquinhas da chuva e nem adianta secar, porque no sábado, o Urubu vai depenar o Galo, nosso freguês de carteirinha, diante de um Maraca lotado.
Agora é recorde de público em cima de recorde, anote aí!
At 9:44 PM, Thiago Barreto said…
Concordo em parte com a tua análise. Os clubes europeus (alguns ingleses, os russos, ucranianos, etc.) que são locais de lavagem de dinheiro das mais variadas máfias, não sofreram o impacto desta crise.
SRN.
Thiago Barreto
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