Preconceito e pré-conceito
Estava em dúvida e peguei o velho “pai dos burros”, nesse caso o Houaiss. Tem um monte de prés ali, mas não tem pré-conceito, só preconceito. Não faz mal, como a crônica permite ao cronista certas liberdades formais e vou usar um pouco dessa liberdade nesse texto com pretensão a crônica.
Com certeza todo mundo sabe o que é preconceito, não? Segundo o Mestre Houaiss, e de forma bem resumida, é “qualquer opinião ou sentimento, quer favorável, quer desfavorável, concebido sem exame crítico”; ou, também, “idéia, opinião ou sentimento desfavorável, formado a priori, sem maior conhecimento, ponderação ou razão;” o verbete vai mais longe, mas o que transcrevi já basta, deixou tudo bem claro.
Um pré-conceito teria parte do mesmo significado, aquela que diz claramente ter sido formado antes, ser uma coisa já existente e que é aplicada à realidade vivida no momento presente. É isso que ouvimos ou lemos por parte de torcedores e muitos jornalistas da área esportiva (em todas as áreas, mas esse blog é sobre esportes, logo...), a emissão de conceitos formulados em outros tempos, outras realidades, aplicados sem nenhum tratamento, sem nenhuma atualização, sem nenhum reexame, a uma nova realidade, uma nova situação. Jogadores de futebol são vítimas contumazes dessas abordagens, tão equivocadas quanto apressadas, conduzindo a grandes injustiças.
Ao lado do pré-conceito encontramos o estereótipo, que é, por assim dizer, um filho legítimo e não bastardo do preconceito e alimenta os pré-conceitos. De novo o mestre Houaiss: “chapa ou clichê (gráfica); algo que se adequa a um padrão fixo ou geral; ...padrão formado de idéias preconcebidas e alimentado sobre a falta de conhecimento real do assunto em questão; idéia ou convicção classificatória preconcebida sobre alguém ou algo...” e por aí vai. Chega de dicionarices.
Jogadores de futebol, portanto, na visão desse cronista, são estereotipados e vítimas de preconceitos diversos. Convém, ainda, lembrar que tudo isso vai contra os ensinamentos de todas as religiões, que têm como um de seus pontos fortes, a capacidade das pessoas mudarem. Vai contra, também, o preceito básico da justiça, aquele que diz ser inocente qualquer pessoa até prova em contrário.
Agora basta, mesmo, é hora de dar nomes aos bois dessa boiada. São muitos, vou ficar com dois, apenas: Carlos Alberto e Denílson.
O primeiro está no São Paulo e o segundo no Palmeiras.
Carlos Alberto é “problemático”, baladeiro, não se aplica, cria casos.
Denílson é baladeiro, irresponsável, não sabe jogar bola, apenas fazer firulas com ela nos pés.
As duas contratações foram, são e serão criticadas por muito tempo. Em ambos os casos, na visão dos juízes, digo, comentaristas e torcedores, os dois clubes fizeram besteira, estão jogando dinheiro fora e vão arrumar dores de cabeça para resolver.
No caso de Carlos Alberto, desde sua chegada o coro contrário foi engrossado com a palavra “gordo” e o que daí se segue: não se cuida, não mantém a forma, isso não é coisa de profissional, etc. Ora, em momento algum foi dado ao rapaz o benefício da dúvida. Em momento algum seu histórico foi analisado sem paixão e com base em conhecimento mais aprofundado das diversas situações que viveu. O preconceito é tão forte que muitos não admitem, ou minimizam de forma ridícula, um problema de saúde que, muito possivelmente, esteve na origem de muitas de suas dificuldades e, com certeza, é responsável pelos quilos a mais que teimosamente apresenta. O nome genérico do problema é hipotireoidismo. Hipo é pouco, hiper é mais. Até nesse ponto foram feitas confusões. No caso dele, hipo, a tireóide produz menos hormônios do que o necessário, ou nada produz de um ou mais determinados hormônios. Não é o tipo de coisa que se associe à imagem idealizada de um atleta, mas é a realidade que surpreende a todos quando descoberta. Mesmo hoje, com esse problema descoberto e sendo tratado, as críticas e ironias sobre o jogador continuam. São apenas manifestações preconceituosas ou, sendo bonzinho, a expressão de conceitos há muito formulados e engessados, pré-conceitos.
Denílson já virou mito. Ainda hoje, principalmente com a correção da inflação, é o jogador mais caro negociado por um clube brasileiro. Na Europa não deu certo, alguma coisa faltou para que continuasse a ser o jogador que encantou a torcida do São Paulo. As causas prováveis são muitas, nem dá para citar todas aqui. Na minha opinião, Denílson foi embora muito cedo, atleta formado, mas jogador ainda em formação e, sobretudo, cidadão em formação. Deslumbrou-se, foi paparicado, foi cobrado, deixou que se criassem expectativas grandes demais sobre ele e seu futebol, foi jogar num time pequeno, estrela única em meio a jogadores de menor expressão, e por aí vai.
Para ajudar, o garoto pobre de Diadema que gostava das baladas, virou baladeiro de fato. Agora, idas e vindas à parte, ele está de volta. Vem treinando e entrando em boa forma física no Palmeiras. Seu trabalho foi acompanhado por preparadores físicos e auxiliares técnicos, gente que vive no e do mundo da bola. E essas pessoas, todas elas profissionais, com nome, emprego e carreira para zelar, recomendaram sua contratação, que todos sabem ser de risco, o risco de não dar certo. Ora, o que fez o clube? Assinou com o jogador um contrato também de risco. Se funcionar, ótimo. Se não funcionar, paciência, tentou-se com um custo baixo. perfeito, sob todos os aspectos. Apesar disso, a gritaria externa é geral e parte, naturalmente, de pessoas que estão distantes do dia-a-dia do clube e do jogador, pessoas que desconhecem o que se passa nos campos de treinamento e nas reuniões entre técnicos e jogadores. Preconceito puro, pré-conceitos em ação.
Acredito nos dois jogadores.
Acredito no esforço de Carlos Alberto e acredito nas palavras de Denílson. Se me desmentirem, paciência, faz parte do jogo. O que não faz e não pode fazer parte do jogo é o preconceito, e em nome dele e de imagens estereotipadas, negar uma nova chance a dois jovens.
.
Marcadores: Crônicas, Jogadores, Palavra do Editor, Palmeiras, São Paulo
2 Comments:
At 8:53 PM, Anônimo said…
Emerson, aqui, da casa do meu irmão, posso comentar sem ter que lhe enviar e-mails. Isso é muito bom especialmente nesta ocasião, por um simples motivo: sensacional esse post. Muito bom. É tudo verdade, em essência. Discordo de pontos periféricos que sequer vêm ao caso. Ótimo.
At 12:22 AM, Anônimo said…
Emerson no caso dos dois jogadores qualquer resistencia não é pre conceito, e conceito formado pelas atitudes ou falta delas dos dois citados..CA ainda tem o credito de bem comandado render como foi o caso no Porto, agora Denilson foi por ele mesmo mostrado como um jogdor fraco de recursos limitados...
Sinceramente torço pelos dois, para que joguem um futebol bem jogado....mas não culpo quem os renega, eles criaram a fama que deitem na cama.
Postar um comentário
<< Home