Um Olhar Crônico Esportivo

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terça-feira, maio 13, 2008

Boca x River, no meio da “La 12”



O Leo colocou o texto abaixo, de sua amiga Laura, nos comentários do post “Bocafobia”. Como vocês poderão ver, é um excelente relato de uma brasileira, que pelo jeito gosta muito de futebol, encarando uma verdadeira aventura. Ficou tão bom que tomei a liberdade de fazer dele um post, aumentando sua visibilidade. O fato de achar que o Boca não é invencível e que nós damos ao time e à torcida uma dimensão maior do que são, não significa que eu não goste ou, pior ainda, não respeite as duas entidades.

Boa leitura e, acredite, vale a pena.

Buenos Aires, 5 de maio de 2008.

Desde muito queria conhecer a Bombonera, cheia.
Já havia visitado em um período de vacaciones no esquema gringo, roteirinho, mas já dava pra imaginar como fica aquele lugar lotado. Outra vez, eu e a Re tentamos ir a uma partida, nem clássico nem nada, mas ou era os 300 dólares na gringa ou na Popular.
Ninguém quis nos levar à Popular, nem vender ingresso. Nos chamaram de loucas varridas pra mais.

Cheguei meio-dia nas redondezas de La Cancha.
Sem
ingresso, sem companhia. Algumas platas e muita vontade de ir ao jogo.
Ia encontrar um amigo do amigo tal e que ia me vender o ingresso, mas dependia de telefone, ligar na hora certa tal e que obviamente não rolou, o cara não atendia.

Ali rola desde cedo uma festa. Enquanto os vários ônibus de turismo chegam, La Boca toda vira uma parrillada familiar de domingo ao ar livre. Pertinho da entrada, há dois ou três restaurantes que vendem os tais Choripan, Lomito, Patty. Compra o Ticket depois de muito se amassar na fila, o cara pega o pão gigante, bota um naco de carne GIGANTE, te entrega de mão a mão e então pronto.


Esta altura, quase 13:30, já havia desistido de comprar ingresso na rua e enquanto comia meu Patty na sarjeta à frente de La Cancha me preparando para assim que acabar de comer ir embora, apareceu "un tipo" querendo me vender Platéia por 600 pesos. Disse que não tinha tal plata. Perguntou quanto tinha, disse "Cem!", ele disse "Vambora brasileira, te levo a la 12".

Era absolutamente tudo que eu queria. Clássico Boca X River. A la 12! A Popular. Onde, teoricamente, não se paga para entrar. Entra quem o porteiro, a organização conhece. O "tipo" me levou de namorada. Na hora de entrar acabei me dando benzaço, porque no empurra-empurra que é para passar deste portão, crianças, namoradas, esposas tem máximo respeito e passam na frente. Subimos as escadas e, UAU:

Lindo domingo de sol, popular já completamente cheia, e diziam que não era nem a metade.

Antes do clássico começar, a festa vai esquentando. A guerra de milho é geral ("Aquel que no salta es un Gallina!"). Entramos uma hora antes e na Popular já se distribuía os balões, os rolinhos de papel, os pedacinhos de papel, bandeiras, e a bateria, do ladinho, pertinho, é difudê.

Jogo começa. Dalí, nao há sequer espaço para deixar os dois pés no chão. As pessoas vão se engalfinhando, se apoiando para conseguir espaço pra se manter em pé, cantar e ainda assim ver o jogo. E logo no começo do jogo, Gol!! Achei que esse negócio ia cair, ou todos caírem pra frente, sei lá. Torcida toda, senhores, crianças, festejam num empurra-empurra na certeza que ninguém vai cair, pq não há espaço para tal.

Um abraço coletivo gigante-mor. A cantoria não pára um segundo, e a bateria acompanha num coro só, como um estádio pequeno de Bairro, um Juca, apenas com 50 mil pessoas dentro.

O juiz apita final do primeiro tempo. Automaticamente e simultaneamente (!) as pessoas todas sentam. Eu, no meio de uma torcida gigante fiquei em pé, com os pés presos porque tinham oito pessoas por metro quadrado sentados neles, esquema Joao-Bobo mesmo, quando um tiozão carinhosamente me oferece um pedacinho do degrau que tinha na frente dele. Logicamente não se vende bebida alcoólica, afinal ali tudo já está ao limite das CNTP, mas se vende CocaCola, água e amendoins. O cara que está lá em baixo quer comprar, a fila toda, desde lá de cima colabora, pq não há condições de ninguém se mexer. O que rola é uma intimidade de compartilhar as coisas, as conversas, as comidinhas, o espaço.

Começa o segundo tempo, a "inchada", torcida, não pára de cantar. Me impressionou a organização, a quantidade de canções e familiaridade com elas. O jogo, afinal, tava chato que só. O River decidiu não jogar, e restou ao Boca mais alguns chutes a gol e muita festa a La Cancha. Ah, vale citar também que o meu vocabulário chulo portenho cresceu 1000% depois desta experiência multicultural-multicultural.

Acabado o jogo, a festa continua lá dentro, até porque é um passo infinito sair de lá. Mas continua a festa pelas escadarias, e como a altura é grande, o por do sol contribuiu para o momento. Ao sair, na rua, a bateria está lá, e a festa continua nas parrilladas. O clima é de um Juca, com uma galerinha em volta da bateria1 à frente do estádio. Novamente fiquei impressionadíssima.

Sou fã de carteirinha da Argentina e volto a afirmar que quem não gosta disso aqui tem é muita inveja ou não conhece suficiente. Até onde a rixa existe, o fabuloso futebol, os caras mandam bem pra cacete. Em termos de presença no estádio, eles são o verdadeiro Carnaval. E aí, que na minha opinião, está inserido o contexto paixão pelo futebol, na possibilidade do jogador e dos tantos outros no campo, fazerem algo único, uma jogada que nunca pode ser repetida, nas milhares de combinações de passes e lances que tornam o feito único, e estar presente apoiando o time torna também o fato como único, e imensurável.

Desta experiência não levei nada físico. Nem ingresso, nem foto, apenas estas recordações, que ainda anestesiada compartilho com vcs. Cheguei às 22h em casa ontem e capotei e tava morrendo de vontade de compartilhar com os amigos brasileiros mas não tive forças de chamar a ninguém.
Pai, Mãe, tá tudo bem.

Ainda em tempo: azeite porcada.

Beijos,
Lau

Pronto, Laura, graças ao Leo você compartilhou essa grande experiência com um monte de gente.

Parabéns por seu relato.

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1 Comments:

  • At 11:31 AM, Blogger Tatiana said…

    Emerson, simplesmente sensacional.
    Laura, belo relato, parabéns.
    La 12, eu também quero!

    -
    Tatiana

     

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