Um Olhar Crônico Esportivo

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segunda-feira, maio 05, 2008

Como assim, bom dia?

- Acorda, amor, o despertador já tocou.

...

...

...

- Amor, você está atrasado, levanta. O despertador já tocou há horas.

...

...

...

- Já são sete da manhã e você ainda está na cama! Você está doente? Está sentindo alguma coisa?

- ... já vou...

...

...

...

Ele entra na cozinha, de chinelas, pijama, cara amassada, hálito cheirando a guarda-chuva molhado e mofado a quilômetros. Os olhos estão injetados, avermelhados, afundados nas órbitas. O cabelo não tem noção do que seja uma escova ou um pente há muito tempo, na verdade desde a manhã do dia anterior, um domingo que amanheceu pleno de expectativas felizes.

- Bom dia, amor. Finalmente, hein? Conseguiu cair da cama?

- Como assim bom dia? – a resposta do marido ao cumprimento não vem seca ou mal-humorada, ela vem murcha, sem energia, sem conteúdo, sem uma dúvida que justifique o tom de pergunta. A quase pergunta é sua própria resposta.

A mulher olha para ele, compungida, mais que o olhar é seu coração que diz que o marido não está bem. Seu mal não é de corpo, é mal de coração, é mal de cabeça, é mal que afeta sua moral. Tudo isso ela sabe, mas não consegue entender. Na verdade, até consegue entender, sim, isso ela consegue, colocando tudo que aconteceu em perspectiva, racionalizando, pegando os pedaços diversos de significado espalhados por todo canto e colocando-os em estantes mentais, tentando dar alguma ordem a alguma coisa que carece de lógica e, portanto, pensa ela, é impossível colocar em ordem.

- Você está chateado, né?

- Sei lá, sinceramente não sei como estou...

- Está com dor de cabeça? Quer que eu faça um chá? Não toma café, não, nem leite, deixa que eu fazer um bom chá pra você.

- Não, eu quero café mesmo.

- Alguma coisa não te fez bem? Acho que você comeu muita carne ontem. Isso tá me parecendo churrasco com cerveja em excesso.

- Não. Você sabe porque eu estou assim.

- Sei mesmo? Será que sei? Tudo que sei é que teu time perdeu um jogo ontem.

A resposta dela agora perde metade do tom de carinho e cuidado, trocada por um misto de agressividade misturada com “toma juízo, olha só o teu tamanho, pára de chorar e vai cuidar da vida que a morte é certa” – puro bom senso feminino.

- Ah, não, você não entende, você não sabe o que é isso. Você não percebe que não há vida depois do que aconteceu ontem?

- Como assim não há vida? Só porque um time de futebol perdeu um jogo você vem com essa conversa mole de “não há vida”? Há vida, sim senhor, e muita vida. Aliás, não só vida, mas também contas a pagar e um emprego para manter e garantir o salário no fim do mês. Por isso mesmo, vai se trocar e corre, que você está muito atrasado. Dá logo essa caneca que eu quero lavar, não vou deixar essa cozinha com louça suja.

Contra certos fatos não há argumentos possíveis.

Nada se levanta contra a lógica irredutível de deixar a cozinha em ordem, sem louça por lavar.

A caminho da empresa, o guri se aproxima do carro no sinal e traz o jornal na mão, sem gritar animado as manchetes do dia. Enquanto espera pela abertura do sinal, ele olha a capa do jornal e sente vontade de chorar ou de gritar ou de esmurrar alguma coisa, talvez ele mesmo, ou melhor que tudo isso pegar a louça que estava sobre a pia e jogá-la, arremessá-la com toda a fúria de sua dor no piso impecável da cozinha bem arrumada, espalhando mil cacos em mil direções. Nada disso ele faz. Engata a marcha, tira o pé do freio, pisa no acelerador com um algo a mais de intensidade e vai em busca do relógio de ponto, pois a vida continua, a louça tem que ficar limpa e ela jamais vai entender nada do que aconteceu. Bom, nem ele entende o que aconteceu.

No banco ao lado a manchete do jornal lota o carro com seu peso:

Massacre histórico no Beira-Rio: 8x1


Post scriptum

O título original dessa crônica era “The day after” e já estava procurando a imagem do pôster com o assustador cogumelo atômico quando uma pitada de bom senso fez-me mudar de idéia e trocar o apelativo e impensável “day after” pela busca de compreensão do “como assim”, que é, sim, o “Como assim, Bial”, daquele antigo Big Brother, o primeiro deles, lembram?

Não?

Como assim, não lembram?

Ah, não importa.

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2 Comments:

  • At 8:54 AM, Anonymous Anônimo said…

    Falaí, Emerson,

    deixei um recadinho pra ti lá no JA; na verdade, uma pergunta. Procura lá pelo meu nome, e vê se tem alguma resposta pra mim!

    No mais... aqui no Rio continua tudo igual. Só o vice que mudou. Mas finalmente vamos começar a falar sério (em maio!), e começar o campeonato que realmente interessa!

    Abs,
    Ricardo CRF

     
  • At 2:10 PM, Blogger ¥¥ Lan® ¥¥ said…

    muito legal ..

    Vim conhecer o blog, e adorei este post Emerson.

    abraços!

     

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