Um Olhar Crônico Esportivo

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sexta-feira, dezembro 07, 2007

Ouvindo Ferran Soriano – IV


Mais um pouco do muito que falou Ferran Soriano em sua palestra de 23 de novembro, na Anhembi Morumbi, patrocinada pela Cámara Oficial Española de Comercio en Brasil.


Crescimento da Indústria do Futebol na Europa


“O futebol é o único negócio em que os empregados ganham mais dinheiro que os patrões.”

“O controle de custos, hoje, é o maior problema enfrentado por todos os clubes.

A cada dois, três anos, vem um louco e detona o mercado. O futebol é uma indústria midiática e passional.”

Durante dez anos o Manchester United foi o líder da indústria do futebol, mas estagnou nos últimos 3 anos, quando a liderança foi tomada por Real Madrid e Barcelona.

Na temporada 1992/1993, o Totennham, clube londrino tradicional, tinha um faturamento semelhante ao do Manchester, sediado em cidade bem menor que Londres, ambos com receitas de 25 milhões de euros. Dez temporadas depois, em 2002/2003, o faturamento do Totennham tinha evoluído para 96 milhões de euros, enquanto o do Manchester foi de 251 milhões de euros, nada menos que 2,6 vezes maior.

O que explica diferença tão brutal? Gestão.

Em 2000, o mercado passou por uma grande transformação: o Real Madrid, que nessa temporada teve receita de 138 milhões de euros, fez um fantástico negócio imobiliário e vendeu o terreno em que tinha instalações por 500 milhões de euros. Parte desse dinheiro foi injetado no futebol, começando pela contratação de Zinedine Zidane pela fortuna de 75 milhões de euros. Na seqüência, Figo, Ronaldo e Beckham.

O mercado foi fortemente inflacionado. A lógica empresarial foi jogada fora e em seu lugar entrou a “lógica dos 500”.

Passado o impacto inicial, quando o mercado começava a recuperar-se, apareceu Roman Abramovich e comprou o Chelsea por 200 milhões de euros. Ato contínuo, nada menos que 600 milhões de euros foram injetados no clube.

A lógica empresarial ou de mercado foi jogada fora, novamente, e em seu lugar entrou a “lógica pessoal” de Abramovich. Um bom exemplo disso foi a contratação de Essien, jogador que tinha um valor de mercado de 15 milhões de euros e com uma negociação em curso nessa ordem de grandeza. O Chelsea apareceu subitamente e pagou 38 milhões de euros pelo jogador, cujo valor era 15. Uma lógica louca, sem nada a ver com o mercado.

Hoje, decorridos três a quatro anos desses movimentos, o mercado novamente parece ter encontrado um patamar próprio de valores. Os grandes clubes estão mais cuidadosos em suas contratações e práticas financeiras, pelo menos até que alguma nova loucura, movida pela paixão, apareça e jogue tudo de pernas para o ar.

Com o elevado custo dos salários, o mercado dos grandes jogadores ficou restrito e muito difícil. Um astro ganha atualmente trinta milhões de euros por ano, dos quais apenas dez são pagos pelo clube e os outros vinte vêm de contratos de publicidade. Em função disso, também a eles não é muito interessante mudar de um clube para outro, pois há sempre o risco de perdas em seus ganhos extra-campo. Essa realidade tem impulsionado o apoio às divisões de base e a procura por jovens com potencial para serem futuros astros – o melhor exemplo recente é o de Alexandre Pato.

Voltando à evolução do faturamente dos grandes clubes, na temporada 2005/2006 a liderança ficou com o Real Madrid, com receitas de 292 milhões, seguido pelo Barcelona com 259 e o Manchester na terceira posição com 252 milhões de euros. Para a temporada 2006/2007, os números indicavam 351 milhões de euros para o time madrilenho e 290 para os barcelonistas. A receita do Manchester foi inferior, novamente, à do Barcelona. Com isso, os dois clubes espanhóis consolidaram sua liderança no mundo do futebol.



Um pouco mais sobre gestão

Se foi a gestão inteligente e ousada que levou o Manchester a liderar o ranking dos grandes clubes por faturamento por dez anos, foi ela, também, que entre 2003 e 2007 transformou o Barcelona de um clube faturando 123 milhões de euros e endividado, em uma verdadeira empresa de entretenimento com 290 milhões de euros de faturamento, fora os títulos e o aumento expressivo no número de torcedores e sócios.

Essa história já é bastante conhecida e não vale a pena repeti-la aqui, mas nada impede que seja discutida, havendo interesse.

Parte dessa revolução passou pela contratação de executivos profissionais para dirigir os destinos do clube. Para isso, head hunters buscaram cérebros em multinacionais top em marketing e formulações estratégicas, como a Procter & Gamble, por exemplo.

Um dos maiores problemas de gestão, hoje, é como administrar e manter motivado um grupo de homens jovens, com menos de 30 anos de idade a maioria, ganhando de um milhão de euros por ano – os mais jovens e iniciantes – a 10 milhões, só em salários. Guardadas as proporções, os grandes clubes brasileiros têm esse mesmo tipo de problema, mesmo que com valores muito inferiores.



Crescer para onde?

Soriano diz que hoje a Europa está saturada, não havendo mais mercado para permitir o crescimento dos grandes clubes, forçando uma saída natural para outros paises.

Os três grandes clubes estão fortemente empenhados em conquistar novos mercados, sobretudo na Ásia, com destaque para Japão e China. O Milan segue um pouco atrás, mas não muito longe.

(A esse respeito, vale uma olhada no texto “As maiores torcidas da Europa”, postado nesse Olhar Crônico Esportivo no dia 22 de julho de 2007. Ali podemos ver que 60% da torcida do Barça está fora da Espanha, assim como 50% da torcida do Madrid.)

Tanto o Barcelona quanto o Milan alongaram o olhar para essa Latino América, além da terra do soccer. O Barça tem um clube-escola na Argentina e está conversando com possíveis parceiros para ter um no Brasil. A idéia é, basicamente, revelar talentos para o time. O Milan tem algumas idéias nessa área e acaba de lançar a versão em português de seu site, por sinal, o primeiro dos grandes europeus a fazer isso, visando, naturalmente, o mercado brasileiro.



Grandes marcas globais

A direção do Barcelona, assim como as dos demais, estou certo, trabalha com a previsão que o mundo comporta de 5 a 7 grandes marcas globais, clubes que vão dominar de forma decisiva o cenário do futebol mundial. Ele não listou os nomes, mas as probabilidades apontam para Real Madrid, Barcelona, Manchester United, Milan e Bayern Munich. Particularmente, não enxergo o Chelsea de Abramovich como parte desse clube ultra-seleto. Talvez a Juve, dificilmente Arsenal, Liverpool e Internazionale.

Infelizmente, e obviamente, ele não vê perspectiva para nenhum clube brasileiro ser sócio desse grupo. Aliás, em termos internacionais, ele destacou que o Boca Juniors, e também o River Plate, já são marcas globais. Não é difícil entender essa ausência, uma vez que nossos grandes clubes estão sempre disputando os torneios estaduais ao invés de excursionarem por Europa, Ásia e Norte América, a bordo de um calendário mundial, ponto que esse blog vem batendo frequentemente.



Essa quarta parte da cobertura da palestra não foi o suficiente para mostrar tudo que foi falado, mas acredito que os pontos mais importantes para o torcedor brasileiro foram levantados. Uma palestra de alguém como Soriano, sem dúvida, é uma oportunidade ímpar. No auditório, porém, havia poucas pessoas, estudantes em sua maioria, e nenhum dirigente de clube.

Bom, para que perder tempo ouvindo tudo isso, não?


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4 Comments:

  • At 5:22 PM, Anonymous Anônimo said…

    excelente texto parabens!

     
  • At 10:20 PM, Anonymous Anônimo said…

    Muito bom o seu texto. Gosto muito dos seus comentarios no JA.

    Abraços Eduardo Bones

     
  • At 1:25 PM, Anonymous Anônimo said…

    Sendo um leitor assíduo de colunas sobre futebol, gostaria de parabenizá-lo pelo seu blog em geral, e especialmente sobre a seqüência de artigos sobre a palestra de Ferran Soriano.
    Fazia tempo que eu não via um texto fugir da mesmice e do óbvio, trazendo uma nova perspectiva para a administração dos clubes de futebol.
    Excelente trabalho, texto muio interessante.
    Uma pena que, assim como você mesmo disse, a mídia tenha dado mais importância ao bate papo com o presidente do Corinthians (que realmente não entendeu nada do conceito, mostrando o seu já sabido despreparo) do que à palestra na Anhembi-Morumbi.

    Um abraço,
    Rodrigo

     
  • At 4:09 AM, Blogger Douglas said…

    Realmente um excelente olhar de marketing esportivo somente acrescentando tanto Real Madrid quanto Barcelona têm/tiveram ajuda dos governos (Prefeitura de Madrid / Catalunha respectivamente) o que sem duvida foi também fundamental para o patamar que ambos estão economicamente.

     

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