Números à vontade
Diz-se que uma folha em branco aceita qualquer coisa.
Pode-se dizer algo parecido sobre os números: qualquer um pode falar o que quiser com eles. Quando esses números se referem a dinheiro fica mais complicado, especialmente quando os valores são altos e a realidade baixa. É como a dona-de-casa na feira olhando para as lagostas enfileiradas uma a uma, com pedras de gelo contrastando com antenas, garras e a casca dura em tons de amarelo, laranja e vermelho. De nada adiantará ela dizer que tem um patrocínio marital de dez mil reais para fazer a feira, pois suas palavras não pagarão a conta apresentada pelo dono da banca de peixes e lagostas. Dessa forma, o feirante embrulha sua compra, ela tira o dinheiro da carteira e vai para casa com dois quilos de sardinhas limpas, prontas para fritar. Melhor que nada. Muito melhor que comprar meio quilo de lagosta e pagar em três vezes no cartão de crédito.
Se ela utilizar direito o verdadeiro patrocínio marital, em dois ou três anos poderá comprar as lagostas à vista, sem maiores sustos e medos. Mas terá que planejar direitinho o que fazer da vida e com o parco dinheirinho que entra em casa todo mês. Comprar bem, investir melhor ainda, cortar despesas desnecessárias, otimizar ao máximo tudo e qualquer coisa.
Para que escrevi toda essa baboseira?
Sei lá, talvez só para encher lingüiça e dar vazão a um (pobre) surto criativo.
Ontem de manhã o Palmeiras anunciou o patrocínio da Fiat, oficialmente.
Ontem à tarde o Corinthians apresentou seu novo patrocinador, a Medial.
Dois movimentos importantes no mesmo dia, ambos com fortes reflexos sobre o desempenho dos dois clubes durante 2008 e adiante.
O novo patrocínio do Corinthians não fugiu à realidade do mercado e ficou em 16 milhões de reais. Minha previsão é que ficaria nessa faixa, entre quinze e dezesseis.
É a faixa em que estão os patrocínios do Flamengo e São Paulo. São, não por coincidência, os três times com maior exposição de mídia. O dono de uma lagosta, por mais bonita que seja, pode pedir por ela cem caraminguás, mas se as outras bancas estiverem vendendo as lagostas por cinqüenta, é cinqüenta que ele vai conseguir pela sua. A menos que encontre um comprador desinformado e cheio de dinheiro para gastar. Isso pode acontecer na ilusão de um blog e nos sonhos de cartolas, mas não na dura realidade dos mercados competitivos, nos quais sobrevivem apenas os mais aptos e que melhor gastam ou investem seus caraminguás.
O novo patrocínio do Palmeiras foge à realidade do mercado, pelo menos nas palavras de dirigentes do clube, que anunciaram-no como sendo de 12 milhões para o futebol profissional, mais 7 milhões para investir na base e 2 milhões como bônus em caso de conquista de título, num sonoro total de 21 milhões de reais.
Sonoro, sem dúvida, verdadeiro, nem tanto.
Há alguns dias comentei aqui mesmo que esse patrocínio da Fiat seria na casa de 10 milhões de reais, valor semelhante ao patrocínio da Semp Toshiba para o Santos. Continuo acreditando nisso. Embora a torcida palmeirense seja maior que a santista, a exposição de mídia do time da Vila tem sido bem maior e mais consistente que a palmeirense, e é isso que conta na hora de fazer a conta do quanto vale o patrocínio. Sem milagres. Todo clube, se campeão, ganha mimos de seu feliz patrocinador. Resta saber, contudo, qual ou quais títulos darão direito aos mimos.
Uma coisa é vencer o Campeonato Brasileiro.
Outra coisa é vencer a Copa do Brasil.
Outra, ainda, é vencer o Campeonato Paulista.
Cada uma tem um determinado valor de mercado e cada valor de mercado, pela lógica capitalista, dá direito a um determinado mimo.
Investir na base...
A direção palmeirense não deixou claro – aliás, quase nada é claro na Sociedade Esportiva Palmeiras no quesito “finanças”, a começar pelo balanço, ausente do site oficial e, parece-me, de toda a internet – como será esse “investimento”. Normalmente, dinheiro indexado a alguma meta ou ação, tem seu uso controlado por quem o forneceu. É como a mãe que dá ao filho o dinheiro para comprar um lanche na escola. Se for uma boa mãe, ela vai checar se o moleque comprou e comeu o lanche, ou se gastou com gibis na banca da esquina (isso recorda-me algumas, digamos, reprimendas de meus tempos de infância). Ou seja, você tem, mas de fato não tem o dinheiro. Afinal, se o moleque for o terrível Joãozinho da piada e quiser gastá-lo com mulheres e champagne, não poderá fazê-lo. Coisa mais chata essa...
Como que confirmando tudo isso, o jornalista Marcelo Damato publicou ontem, em seu blog, o seguinte comentário:
"O dinheiro da Fiat é menor
Quinta-feira, 20 dezembro 2007 by Marcelo Damato
Dois importantes quadros da situação do Palmeiras disseram e repetiram a este blog em conversas separadas que os valores divulgados na mídia (R$ 12 milhões por ano para os profissionais, mais R$ 7 milhões por ano para a categoria de base) estão muito acima da realidade.
O que chama a atenção é o número para a categoria de base. O São Paulo, que pode ser usado como referência, gasta pouco mais de R$ 2 milhões por ano. Com o valor que está sendo ventilado, os juniores do Palmeiras poderiam tomar banho em banheiras de mármore italiano.
Por uma questão de contrato, o Palmeiras não pode divulgar os números.”
O Palmeiras fechou o balanço de 2006 com um déficit de 37,2 milhões de reais, mais de sete vezes superior ao déficit de 2005, que ficou em 5 milhões de reais. Se o ano de 2007 não foi tão ruim quanto 2006, tampouco foi um primor. Noticiou-se ainda nessa semana que o clube pediu à Adidas 3 milhões de reais adiantados sobre o patrocínio de 2008. Outros adiantamentos foram pedidos e recebidos durante o ano. Sabe-se, também, que só com o Bradesco o clube tem uma dívida de curto prazo no valor de quatorze milhões de reais. E Vanderlei Luxemburgo custará aos cofres palmeirenses a bagatela de 6 milhões de reais por ano, fora os novos membros que ele trouxe e ainda trará para compor sua Comissão Técnica.
Em contrapartida, a Trafic do palmeirense J.Hawilla entrará com 40 milhões de reais no futebol profissional.
Em que condições de fornecimento e retirada do dinheiro?
Em que condições de gestão desse valor?
Em que condições de gestão do clube e do time?
Por tudo isso, e muito mais, tenho dúvidas sobre esse mundo de maravilhas anunciado por dirigentes do Palmeiras.
Ou deveria dizer cartolas do Palmeiras?
No outro Parque, em contrapartida, a nova direção vem fazendo quase tudo certo, com alguns deslizes – como Antonio Carlos Zago, por exemplo – e desacertos, mas no caminho correto, de maneira geral. Leiam, ou releiam, os posts “Vantagem estratégica” e “Previ$ões
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Marcadores: Corinthians, Marketing e Dinheiro, Palmeiras, Santos
4 Comments:
At 3:21 PM, Anônimo said…
Emerson, um Feliz Natal e um maravilhoso Ano Novo. Espero que você continue com esse seu excelente trabalho de nos informar sobre questões finaceiras do mundo do futebol.
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PS: Só espero que a sua unica tristeza seja com o São Paulo na LA e No Brasileiro.
Um abraço,
João Luiz
At 9:22 PM, Anônimo said…
Emerson...tenho uma má noticia pra vc! Tomei coragem e coloquei internet na minha casa...e por isso poderei, agora, ter mais tempo e participar de alguns blogs interessantes que na Tower não podia!
Ótima análise de números e mercado que vc acaba de expor aqui...mas não deixarei de te fazer uma pergunta provocativa....lá vai:
vc tem má vontade com o Verdão ou será apenas uma impressão minha?
Um ótimo Natal para vc e para Rosa! Abraços
At 12:49 AM, Emerson said…
Obrigado, João Luiz.
Obrigado, Cal.
Felicidades para vocês e todo mundo que passa por aqui, como o verde Odair. Feliz Natal a todos.
Cal, não me deixe mal com o Odair.
:o)
Não é má vontade com o Palmeiras, mas confesso que a diretoria palestrina provocou esse comentário. Falaram demais da conta e exageraram muito. Olhe que nem toquei no caso Trafic, cujos 40 milhões são para o mercado todo.
At 12:58 AM, Anônimo said…
Emerson sou leitor assíduo seu.. é impressionante o NIVEL que chegou o seu blog.. não sendo possível encontrar nada que se assemelhe em toda a internet de lingua portuguesa... Parabens e continue sempre nao abrilhantando com sua visão gerencial do esporte... é fascinante!
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