Direitos de TV ameaçados
Uma ameaça
Antes de comentar qualquer coisa, uma notícia muito preocupante.
Há um projeto em tramitação na Câmara dos Deputados, apresentado pelo deputado Edson Duarte (PV – BA), ao qual foram apensados alguns outros, segundo o deputado Gilmar Machado, estabelecendo que todo e qualquer evento esportivo ou cultural ou de entretenimento realizado no Brasil, ceda gratuitamente o sinal de transmissão para as emissoras de televisão públicas e educativas, como a nova TV Pública, as inúmeras emissoras educativas, a da Câmara, a do Senado... O projeto estabelece, inclusive, que os estádios deverão ter local próprio para essas emissoras. No caso de evento fora do Brasil, a emissora que fizer a transmissão deverá ceder o sinal para as emissoras públicas, sempre gratuitamente. É uma ameaça catastrófica, para dizer o mínimo. Se aprovada tal proposta, ela seria um golpe mortal nas finanças de todos os clubes, que dependem em alto grau da verba da televisão.
Esse projeto, cuja relatoria está também em mãos do deputado Gilmar Machado, foi discutido no programa Arena Sportv, de 2 de outubro, que foi a fonte que gerou esse post. Entretanto, parte das informações e todas as conclusões que vêm a seguir, são de minha responsabilidade.
A importância da televisão
Antes de mais nada, vamos ver, percentualmente, o que representam os direitos de televisão nas 5 maiores ligas européias e no Brasil:
| | DIR TV | PATROC | BILH |
| | | | |
Inglaterra | 45 | 25 | 30 | |
| | | | |
Itália | | 55 | 28 | 17 |
| | | | |
Espanha | 41 | 30 | 29 | |
| | | | |
França | | 57 | 25 | 18 |
| | | | |
Alemanha | 25 | 25 | 25 | |
| | | | |
Brasil | | 66 | 23 | 11 |
(Fonte: Globo Esporte)
Reparem que no Brasil a participação da TV é a maior de todas, enquanto a participação da bilheteria é a menor. Ou seja, no quadro de receitas sem as transferências de jogadores, a televisão, sozinha, responde por dois terços de toda a receita dos clubes brasileiros da 1ª divisão, sendo, portanto, fundamental para a sobrevivência de nossos clubes.
Para efeito comparativo, vemos a seguir a distribuição das receitas de nossos clubes da 1ª divisão, incorporando a renda obtida com as transferências de jogadores:
Bilheteria | 8% | |
| | |
Televisão | 46% | |
| | |
Patrocínios | 15% | |
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Transferências | 31% | |
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Mesmo agregando às receitas o valor das transferências, prática não recomendável, uma vez que é um valor que não permite uma correta previsão sobre sua realização, vemos que a importância das verbas da venda dos direitos de transmissão é muito alta.
A estrutura da televisão no Brasil
Em toda a Europa, o futebol é produto das emissoras fechadas e do pay-per-view – ppv. Isso ocorreu porque a tv européia era monótona e sem sabor, sem apelo. Com a chegada das emissoras fechadas na década de 90, o mercado transformou-se, pois as novas emissoras tinham programações muito mais atraentes. E elas compraram os direitos de transmissão do futebol, tornando-se ainda mais interessantes para o consumidor.
No Brasil o sistema é diferente. Tendo o modelo americano como exemplo, nossa televisão desenvolveu-se com diversas redes competindo entre si, com alcance nacional e total penetração junto aos mais diversos públicos. Por características culturais próprias, e seguindo muito do que faziam as redes americanas em termos de conteúdo, também, a tv aberta brasileira sempre foi bastante atraente e detentora de grandes índices de audiência. A entrada dos canais pagos pouco mudou, ainda, nesse modelo. A transmissão do futebol nas emissoras abertas é uma tradição e tem um grande audiência, sustentada pelo mercado publicitário. Com as mudanças no sistema, entrando os canais pagos e, posteriormente, os canais ppv, o futebol foi encontrando seu novo caminho e estrutura, entre os três formatos de transmissão.
Hoje, praticamente 100% dos lares brasileiros são atingidos pela televisão aberta, mas apenas 9% o são pelas emissoras de sinal fechado. Apesar disso, do valor total que será pago aos clubes em 2008 somente pelo Campeonato Brasileiro – 310 milhões de reais (120 milhões de euros ou 170 milhões de dólares) – nada menos que 42% virão da tv fechada e do ppv.
Essa é a distribuição prevista:
| | Milhões Reais | % s/ total | |
| | | | |
Sinal aberto | 180 | | 58 | |
| | | | |
Sinal fechado | 40 | | 13 | |
| | | | |
PPV | | 90 | | 29 |
Além do Campeonato Brasileiro, temos também os estaduais, obedecendo a uma distribuição semelhante, mas com valores diferentes para cada um dos campeonatos. E mais as participações na Libertadores e Sul Americana, onde os direitos de transmissão são pagos via CONMEBOL, que é quem os detêm, negocia e repassa.
Patrocínio e exclusividade
A negociação dos direitos de televisão baseia-se num princípio simples: a emissora compra os direitos de transmissão com o dinheiro dos patrocinadores e anunciantes, cujo interesse primeiro e único é atingir a maior audiência possível de potenciais consumidores de seus produtos e serviços entre os torcedores de futebol.
Pois bem, todo esse castelo, toda essa estrutura, portanto, baseia-se na exclusividade da imagem. O patrocinador paga o que paga para veicular seus comerciais em programas, os jogos, que serão vistos somente no canal e horário que ele patrocina. A partir do momento em que essa mesma imagem estiver disponível em emissoras públicas e educativas, vai haver uma erosão, uma perda de audiência, que será compensada, naturalmente, por uma diminuição nos valores pagos pelos patrocínios. Claro, pois haverá menor quantidade de pessoas vendo as mensagens publicitárias dos anunciantes.
No caso do ppv o efeito será igualmente dramático, com uma queda enorme no total de assinaturas, lembrando que metade do valor de cada assinatura tem os clubes como destinatários. Eventualmente, dependendo do apetite que as emissoras públicas e educativas demonstrarem, o ppv no futebol pode, simplesmente, acabar.
Séria ameaça
Portanto, essa brincadeira – pois não passa disso, a meu ver – de alguns deputados, pode representar o sucateamento definitivo dos clubes brasileiros e nossa resignação absoluta a um futebolzinho de sexto mundo. Se com esse dinheiro de hoje a situação já é complicada e a audiência da Champions League e das ligas inglesa, espanhola e italiana cresce ano a ano, com os times sucateados tudo que restará para quem quiser assistir futebol serão os jogos europeus.
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Marcadores: BR e Futebol Tupiniquim, Legislação;, Marketing e Dinheiro
1 Comments:
At 8:13 PM, Anônimo said…
Muito bom o seu artigo, Emerson! E sobre o assunto, lembro que já houve um tempo em que muitos executivos de tevê achavam que o futebol, por ser de "interesse público", não deveria ter venda de direitos.
Até 1965, a TV Record exibia o Paulista sem pagar nada. Os clubes chiaram e o canal precisou encontrar um programa-tampão dominicail: apareceu o Jovem Guarda.
Em 1983 (eu vi isso!), a Bandeirantes desafiou a Globo, que pagara cota para 22 times, e transmitiu Guarani x Corinthians, no Brinco de Ouro. O Alexandre Santos e o Pedro Luís eram aplaudidos pela torcida, que gritava "deixa! deixa" incentivando-os contra o poderio da Globo. Aquela história de torcer para o mais fraco.
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