Um pouco sobre Marcelo Portugal Gouvêa
Muito já foi dito no decorrer desse domingo e nos jornais dessa manhã de segunda-feira sobre Marcelo Portugal Gouvêa.
Nunca será o bastante para se ter a real dimensão do que foi e do que representou para sua família e para o São Paulo, que também era sua família. Uma família exigente em tempo, atenção, dedicação.
Enquanto voltava para São Paulo na manhã desse domingo que começou triste, pensava no dirigente, a quem já conhecia pela imprensa desde a posse como presidente, e pensava na pessoa, que conheci em 2004.
Marcelo primava pela educação e gentileza, sempre, dando importância e atenção a todos.
Sua gestão à frente do São Paulo foi, para mim, a síntese do que deve ser a administração de um clube que tem no futebol sua razão de ser, apoiado na democracia interna e no trabalho em equipe, em que a paixão não é inimiga da razão.
Na prática, ele foi o primeiro dirigente a perceber a nova dimensão que tomava o futebol brasileiro com o fim do malfadado e anacrônico “passe” e a plena vigência da Lei Pelé. Graças a isso, o São Paulo saiu na frente e apontou os caminhos que começavam a ser trilhados na Europa e hoje fazem parte da rotina de nosso futebol, mas ainda mal compreendidos e pior executados por muitos clubes.
Ao contratar Ricardinho, em 2002, ele disse que aquela era a última grande transação daquele tipo em nosso futebol.
Dito e feito.
O futebol era sua paixão e o time de 2002 correspondeu a ela durante toda a fase classificatória do Campeonato Brasileiro, voando em campo com Kaká, Simplício e Julio Batista, além de Rogério Ceni, crias da base tricolor, e mais Luiz Fabiano, Reinaldo e Ricardinho, conquistando uma série de dez vitórias seguidas.
Mas o futebol é o que é e aquele time fantástico não conquistou o Brasileiro. Foi, também, o começo de uma era em nosso futebol. No ano seguinte, com uma nova filosofia colocada em prática, o clube voltou, depois de dez anos, a disputar a Copa Libertadores de América, paixão maior de todo torcedor do São Paulo. No retorno, uma campanha excelente, chegando à semi-final e perdendo para o desconhecido Once Caldas, que viria, em seguida, a conquistar o título derrotando o poderoso Boca Juniors. Desconhecido, sim, mas muito competente.
Novamente classificado para a Libertadores, 2005 foi o grande ano da história recente do São Paulo. Mesmo com uma mudança de técnico no meio da disputa da Libertadores, o time conquistou o campeonato e, no final do ano, tornou-se campeão mundial do novo campeonato instituído pela FIFA, em sua primeira disputa nos novos moldes, fechando um ano brilhante que começara com a conquista do Campeonato Paulista.
Em campo, um time formado em parte dentro da nova realidade do futebol brasileiro.
Em 2003 Marcelo foi para o Uruguai e lá contratou um jovem zagueiro, promissor, mas desconhecido, Diego Lugano.
O então treinador não gostou muito e referia-se a ele como o “jogador do presidente”. O treinador pouco durou e pouco é lembrado hoje, mas o “jogador do presidente” tornou-se um dos maiores ídolos da história recente do São Paulo, ao lado de Rogério Ceni.
O outro “jogador do presidente” foi o melhor jogador de futsal do mundo, Falcão, que teve poucas chances de mostrar seu valor e adaptar-se para valer ao futebol, sendo pouco utilizado pelo treinador da época. Que teve seu trabalho respeitado pelo presidente.
Ao mesmo tempo que cuidava do time de futebol, levando-o a grandes conquistas, sua gestão foi marcada pela inauguração do REFFIS, considerado uma referência mundial em recuperação de atletas lesionados, e no futuro do clube, com a inauguração do Centro de Formação de Atletas Laudo Natel, em Cotia.
Em sua gestão, a área social do clube foi revitalizada e estruturada, iniciando um processo que transformou-a em centro gerador de receitas e não só de despesas, um caso quase único no universo dos clubes brasileiros.
O torcedor Marcelo nunca esqueceu os jogadores que levaram, no decorrer de sua história, a ser o São Paulo o que é.
Uma de suas “menina dos olhos” era o Encontro de Ex-Jogadores, uma festa bonita, no CCT da Barra Funda, reunindo atletas de diferentes épocas, ídolos de outros tempos, outras conquistas, ou de tempos difíceis, durante os quais o clube investia em seu futuro, construindo o Morumbi.
Sua alma de torcedor levava-o a fazer pequenas “loucuras”, que contava sorridente, como despertar à uma da manhã para ver um jogo de vôlei feminino da seleção dirigida por Zé Roberto Guimarães, dormir um pouco e acordar novamente às cinco para acompanhar a seleção de futebol sub 15 ou sub 17.
Há algum tempo, conversando com o amigo e são-paulino Damião, ele contou-me um episódio com o presidente do São Paulo que marcou-o. Enquanto voltava para São Paulo, numa Anhanguera com vans, ônibus e carros lotados, levando torcedores e suas bandeiras para o jogo contra o Fluminense, liguei para Damião e pedi-lhe para relatar esse episódio. Há outros, mas ficarei com esse, que retrata bem um pouco do Presidente Marcelo Portugal Gouvêa:
“Emerson, pouco sabia sobre Marcelo Portugal Gouvêa antes dele assumir a presidência do Tricolor. Mas na sua passagem pela presidência, tenho uma experiência pessoal que me deu noção de quem foi MPG, como era carinhosamente tratado pela torcida, na direção do nosso São Paulo e do tamanho do seu nível de atenção com as nossas coisas, o qual relato a seguir.
Quando da venda de Cicinho para o Real Madrid, em agosto de 2005, eu, torcedor do Tricolor e advogado por profissão, por vício do ofício, me preocupei que tal venda não fosse, efetivamente, uma manobra da então atuante MSI, para adquirir nosso craque de forma indireta. Diante disto, resolvi externar minha preocupação ao Tricolor, na figura do presidente e enviei um fax para seu gabinete no clube, inclusive sugerindo que fossem adotadas providências jurídicas para que se evitasse uma possível operação triangular.
Pensando ter cumprido meu dever, dei tal assunto por encerrado.
Qual não foi minha surpresa ao receber um telefonema do próprio Marcelo, quando ele teve a oportunidade de esclarecer para mim todos os pontos da negociação. Travamos uma agradabilíssima conversa na qual ele pôde me relatar os meandros dos problemas que enfrentava na direção do clube e as ações que estava implantando.
Eu que, por observação e por informações indiretas - inclusive de integrantes da própria oposição do clube - já estava formando uma impressão positiva em relação ao MPG, depois deste inusitado contato com ele, passei a ser um admirador seu.
Que o bom Deus reserve um lugar na 'Tribuna de Honra' do céu, para que logo mais, se o destino assim nos permitir, o Tricolor possa alcançar a glória do primeiro Tricampeonato da sua história e da história do campeonato brasileiro, e oferecer para o nosso eterno "Trisidente Mundial", conforme gosto de tratá-lo carinhosamente.”
Ontem, por ser o futebol o esporte maravilhoso que é, o São Paulo não conquistou o Tri-Campeonato tão ansiado. Quem sabe para não entristecer Mestre Telê, pois a vitória de um Tricolor sobre o outro iria fazer isto. Quem sabe se lá na “Tribuna de Honra” celestial eles todos reunidos não resolveram nos dar mais uma semana de emoção, até o próximo domingo?
Estou certo que o time conquistará em campo mais esse título para o “Trisidente” Marcelo, justo e merecido. Muito merecido, pois durante esses anos ele permaneceu na direção do clube, como seu diretor de planejamento, trabalhando, como sempre, pela família Tricolor.
Descanse em paz, Marcelo.
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Marcadores: São Paulo
2 Comments:
At 10:00 AM, Anônimo said…
Muito triste a morte do Marcelo, muito mesmo...
A tribuna de honra de presidentes ( Henri Aidar, Antonio Galvão...) vai vibrar unida no próximo domingo...
At 8:40 PM, Neto said…
Emerson,
Acompanho seu blog. É simplesmente emocionante pra um torcedor do SPFC ler sobre Marcelo Portugal Gouvêa. AO menos é pra mim. É muito triste, em todos os aspectos, ver o que ele construiu ser implodido de dentro pra fora...
Se me permite, vou salvar esse seu post. É um alento nesses tempos de tristeza.
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