Um Olhar Crônico Esportivo

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quinta-feira, novembro 02, 2006

Personalidade: Rogério Ceni


“Acima de tudo, um goleiro precisa ter personalidade.”

Essa foi uma das primeiras frases de Rogério Ceni durante o programa Roda Viva, no qual ele foi o entrevistado por um grupo de jornalistas, e que foi ao ar, em transmissão ao vivo, dia 30 de outubro.

Mas, um pouco antes dessa frase, ele proferiu uma outra muito significativa:

“... no Brasil, basta ter opinião para ser polêmico.”

Não por coincidência, ter personalidade e ser polêmico são duas das mais visíveis e importantes características desse goleiro que já faz parte da história do futebol mundial, como o maior artilheiro nessa posição que nada tem a ver com o fazer gol e tudo a ver com o evitar gol.

Como não poderia ser diferente com pessoas dotadas desse perfil, Rogério é amado e detestado em idênticas proporções. No mundo do futebol, é difícil, quase impossível, alguém permanecer indiferente a ele.

Flash-back: creio que foi no Paulista de 1993, Telê Santana dirigia o São Paulo, Zetti era o titular e Rogério seu reserva, ainda um molecão. Telê foi expulso, assim como o preparador físico. Não lembro o que motivou as expulsões, mas, com certeza, foi por reclamação, pois Mestre Telê era implacável com árbitros omissos no combate à violência. O time ficaria acéfalo, sem orientação alguma vinda do banco. No burburinho da expulsão, acompanhei uma reunião entre Zetti e Rogério, à margem do amontoado de jogadores, árbitro e bandeiras. Jogo reiniciado, Zetti voltou para o gol e Rogério ficou à beira do gramado e dali, percebíamos claramente, sem dificuldade, simplesmente comandou o time do São Paulo com jogadores muito mais velhos. Para mim, foi uma situação marcante, inesquecível, definidora do caráter e personalidade de Rogério.

De volta aos dias atuais e à entrevista ao Roda Viva: Rogério pensa e fala o que pensa de forma articulada. Poderia ser um desses tecnocratas de alto escalão, treinados na academia e nos altos cargos para falar à imprensa. Poderia, também, ser um parlamentar, oposicionista ou situacionista, mas sempre pronto a falar e não se esconder.

“Hoje há menos desigualdade, mas num nível muito baixo, o povo empobreceu.”

Uma verdade dita sem meias palavras. Não votou pela reeleição do atual presidente, cujo governo criticou com firmeza, sem ser ofensivo. Na sua posição, se é importante falar e se expor, é importante, também, ter cuidado com as palavras, que podem ser interpretadas de diferentes maneiras, nem sempre corretas.

Faltou tempo e também mais entrevistadores para poder explorar mais e melhor sua participação. Voltando ao futebol, para ele os adversários mais terríveis, mais perigosos, foram Romário e Bebeto. E confessa que ao chegar em casa e assistir ao jogo que recém-disputou, muitas vezes se surpreende. Algumas por ter certeza que foi um jogo chato e de repente vê na telinha um jogo agradável. Outras, por achar o jogo eletrizante e vê-lo monótono na televisão. Não é só a visão do árbitro que difere radicalmente entre campo e televisão, mas a própria visão do jogador sobre o mesmo jogo pode ser diferente a partir de como e de onde assiste ao jogo.

Para minha surpresa, Navarro Montoya foi um exemplo de elegância e precisão no chute para ele. Rogério viu-o em ação num São Paulo x Boca, no La Bombonera, no começo dos anos 90. Admirou-se com os chutes bem colocados do colombiano, e com o detalhe de chutar com a esquerda as bolas que tinham por endereço o lado direito e vice-versa. Aliás, essa é uma coisa importante nessa figura: ele sempre reverencia seus mestres, principalmente Zetti, Telê e seus preparadores, a começar por Roberto Rojas.

Uma coisa que ele não gosta é o fato da crítica de um lance ser feita por pessoas que nunca souberam o que é jogar no gol, o que leva à verdade indiscutível que o goleiro é criticado quando erra e também quando não erra.

E a entrevista seguiu, outros pontos foram levantados, dúvidas foram desfeitas, num programa agradável. Eu confesso que esperava menos de Rogério nessa situação. Subestimei-o. Não é fácil ser entrevistado ao vivo, mas ele passou incólume pela prova.

Rogério passa uma imagem de arrogância e auto-suficiência que não correspondem à realidade. E, pior ainda, é tido como mau-caráter por pessoas que nunca sequer conversaram com ele, quanto mais conviver. Uma coisa maluca, pois o que mais salta aos olhos na convivência com Rogério Ceni é, justamente, seu caráter. Luiz Felipe Scolari tinha dúvidas a seu respeito antes da Copa de 2002. Sua convocação, justíssima, deu-se mais pela opinião dos demais membros da Comissão Técnica da Seleção. Ao final da Copa, ele confessou ter ficado admirado com o comportamento exemplar de Rogério e sua perfeita integração ao grupo de jogadores, destacando o excelente convívio entre Marcos, Dida e ele. Da mesma forma que Scolari, Parreira também gosta e admira essa faceta de Rogério, sempre participativo e colaborando ao máximo.

Para mim, Rogério Ceni é um dos melhores goleiros do mundo, não tanto por uma estonteante habilidade sob as traves, mas pelo conjunto de suas qualidades, onde defender bem é uma delas. As outras são a reposição de bola – ainda ontem, o goleiro titular do Real Madrid, Casillas, foi sofrível nesse quesito – e a habilidade e capacidade em jogar com os pés, exercendo muitas vezes a função de um verdadeiro líbero, auxiliando e desafogando a defesa quando pressionada pelo adversário. Nesse ponto, não há hoje no futebol mundial nenhum goleiro de destaque tão bom como ele.

E ainda por cima é um grande cobrador de faltas.

P.s.: confesso que não ia escrever a respeito, mas acabei fazendo por sugestão de algumas pessoas; a entrevista rendeu mais material do que aproveitei aqui, mas o texto ficaria ainda mais longo se usasse tudo.

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