0x0
Muito já se escreveu sobre o esporte, sua prática, as competições, os benefícios para quem pratica, os riscos, os prazeres para quem assiste.
Também muito já foi escrito sobre os sonhos e ilusões que o esporte cria, alimenta, mata. Grandes conquistas, grandes derrotas, extremos dependentes, para que um exista, o outro tem que existir, também, porém com o sinal trocado.
Os louros da vitória, os choros da derrota.
O esporte é uma representação simbólica da guerra, com regras definidas, com fiscalização, com limites claros de espaço e tempo. Um jogo é uma batalha e dessa forma é descrito. Nos mais diferentes esportes, até mesmo nos individuais, onde um homem duela contra outro ou outros, sendo ele sua própria equipe.
E ao final do jogo, o vencedor. E o derrotado.
Muito já se escreveu, também, sobre o valor da vitória e a importância da derrota. Como uma derrota tempera a alma, educa o espírito para as provações da vida, assim como uma vitória deve ter o dom de educar para reconhecer que ela é transitória e que o verdadeiro vitorioso é modesto, equilibrado e moderado.
Paradoxalmente, o mundo dos esportes é um mundo de certezas, pois tudo converge para um momento final em que os contendores serão separados em vitoriosos e derrotados. E, assim como eles, seus apoiadores, seus fãs, seus torcedores.
Essa certeza, todavia, cai por terra quando falamos do futebol. O mais popular e o mais democrático de todos os esportes, joga por terra a divisão simplória e falsa entre vencidos e vencedores, pois o futebol permite e contempla o empate. O resultado que não produz nem um, nem outro. O resultado filosoficamente puro, pois ao término da disputa todos estarão igualados, as forças se equivaleram, uma não sobrepujou a outra, o equilíbrio foi mantido.
Há muito disso na vida, seja por acidente, seja como fruto de uma busca nossa por uma solução onde ninguém perca, mas tampouco ganhe. Como isso pode ser importante para a vida! Ou poderia...
Dentro do empate há uma categoria ainda mais fascinante, um resultado que pode ser dramático por sua aparente nulidade: é o 0x0. Não só ninguém venceu, como sequer alguém conseguiu marcar um tento, conseguiu vencer a defesa adversária e ser o senhor da disputa por uma parte do tempo.
Um 0x0 pode ser um jogo dramático. Lá estão 22 atletas correndo, suando, disputando arduamente a posse da bola e a possibilidade de fazê-la ultrapassar a meta adversária. Afinal, é para isso que o futebol existe, o gol. Mas nada acontece. Na platéia, à medida que o tempo se aproxima do final, cresce a angústia, cresce o desejo profundo pelo gol, sentimento tão forte, apesar de aparentemente banal, que está entre os maiores que conhecemos, iguala-se aos sentimentos que nutrimos por pessoas que amamos.
Um clímax se faz necessário, todos desejam explodir, dar vazão ao sentimento angustiante, à vontade exasperante de ver a bola balançar a rede do gol adversário. Uma só ou milhares de pessoas têm o mesmo grito preso na garganta, pronto a sair potente, arrasador e ao mesmo tempo pacificador.
Contudo, mesmo com tantas vontades, com tanto vigor no sentimento, nada acontece, o grito fica preso, pior que isso, reflui. As expressões murcham, perdem o viço de minutos e se acinzentam. É o preço do desejo não realizado. Não vivemos a dor do gol sofrido, mas também não gozamos o prazer do gol marcado. Todas as muitas possibilidades, tudo que era possível, girou, esteve próximo, e não aconteceu.
E o mais estranho é que, em muitas das vezes, quando o fim se aproxima outro sentimento aflora, se impõe, até, todo poderoso: o medo da derrota, que conduz à vontade de deixar tudo como está, transferir a vitória para outro dia. Nesse momento, começa a ficar importante evitar a derrota ao invés de tentar a vitória. Finda a peleja, não se comemora, mas lambe-se as feridas e começa o planejamento para a próxima vitória. Sim, porque ao fim e ao cabo nós corremos atrás da vitória, e o empate é um tropeço no meio do caminho, feito de propósito pela própria vida para nos ensinar.
Mas já nem sei o que, só consigo pensar nas formas e métodos para vencer a próxima peleja. Afinal, tenho um grande e forte grito preso em minha alma e ele precisa sair, precisa vir à luz, precisa viver.
P.s.: fui ao Google e pesquisei winners e loosers; para uns, há nada menos que 332.000.000 de citações; para outros, tão somente 9.510.000 citações.
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Marcadores: Crônicas
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