Um Olhar Crônico Esportivo

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quarta-feira, junho 21, 2006

Entrevista com Parreira - I


'É hora de ajustar, não de mudar'

Em entrevista ao Estado, treinador deixa claro que não abre mão do esquema atual. Só troca jogadores da mesma posição

Daniel Piza, ENVIADO ESPECIAL, BERGISCH GLADBACH

O treinador Carlos Alberto Parreira recebeu o Estado no Castelo de Lerbach, onde está a seleção brasileira. Na varanda, de frente para o lago com patos, cercado de muitas árvores e ao som dos passarinhos, ele comenta: “Precisamos disso aqui. Os jogadores estão lá dentro, tocando cavaquinho, relaxando, longe de toda essa loucura ao redor da seleção brasileira.” Parreira, com toda sua experiência, diz que nunca viu nada igual. E quer preservar seus jogadores da pressão para que dêem show. “Numa Copa na Alemanha, show é ganhar.” Na entrevista, disse ainda que o esquema com o quarteto de ataque está funcionando e que o time só precisa de ajustes, como acelerar a circulação de bola na saída e se posicionar melhor na hora de defender. Em sua opinião, é a marcação e a movimentação intensa a razão para que o Brasil tenha de jogar mais cadenciado, com paciência. Quanto a Ronaldo, acha que sua experiência pode fazer a diferença na "hora da verdade" - a fase do mata-mata, a partir da próxima semana.

- Como o Robinho e o Fred entraram bem no domingo, o torcedor já quer que essa seja a formação titular do ataque. O que você acha?

Não se podem analisar os 20 minutos finais como se fossem o jogo inteiro. É covardia. O adversário já estava perdendo o jogo, colocou mais um atacante, depois cansou. Deu sorte, tem dia que não dá certo. Não dá para comparar situações diferentes. Ótimo que temos um Robinho para entrar, um Fred, jogadores que podem melhorar o time naquele contexto. Mas nada garante que começar o jogo com eles daria o mesmo resultado. Não existe bola de cristal.

- Como você decidiu as mudanças?

A história do jogo é que realmente determina. O Gilberto Silva, por exemplo, entrou no lugar do Emerson porque tem mais noção de jogo aéreo. E entrou bem, tirou algumas bolas. Acho que as mexidas foram perfeitas no domingo. Substituição não adianta você planejar antes, porque sempre dá errado. Quem poderia imaginar que o Fred entraria e marcaria um gol? De repente, achei que seria bom. Tenho acompanhado o trabalho dele, ele tem treinado muito bem. E o Adriano também sentiu. Ele tem mais de 90 quilos e correu bastante, é natural que tenha cansado. Ajuda a defesa, vai para cima e para baixo, não se poupa no jogo. Mas foi uma sorte, poderia não ter acontecido nada.

- Você chegou a cogitar da entrada do Juninho, para melhorar o passe em profundidade?

Acho que é uma decisão muito subjetiva. Nosso time chegou a um ponto em que as mexidas são muito complicadas. É hora de ajustar, não de mudar. Estamos no limite máximo da ousadia tática. O Zé Roberto marca muito bem. Como é que a gente mexe ofensivamente nesse time? Tirar um dos volantes é impossível. O que temos a fazer é colocar um jogador descansado na mesma função, com gás para ajudar a empurrar o time. O contrário pode acontecer: tirar um atacante para pôr um meia, um homem mais de contenção.

- Mas e a ligação no contra-ataque? Zé Roberto começou a sair mais no segundo tempo por orientação sua?

Dos dois homens de contenção, na hora de sair é o Zé Roberto, até por ter mais facilidade para isso, que fica mais à frente, para fazer a ligação com o meio e o ataque. O Zé é que vai municiar o Roberto, o Cafu, o Ronaldinho, o Kaká. E quando eles estiverem muito marcados, se ele tiver condição, passa direto para os atacantes. Mas no primeiro tempo não tinha espaço. Eles corriam muito, o jogador deles acompanhava o Cafu até a linha de fundo. Essa transição entre defesa e ataque, essa ocupação dos espaços, está cada vez mais intensa no futebol. Os jogadores têm que estar muito bem preparados para impor nosso estilo.

- E tirar um dos atacantes para avançar o Ronaldinho?

Posso, mas não sei se vai ficar mais ofensivo. O Ronaldinho gosta de buscar a bola no meio. Do jeito que o time está formado, dentro de sua lógica, fica difícil para o treinador mudar o esquema. Por isso acho que as mexidas têm sido corretas. Você vai acabar trocando um lateral por um lateral para dar mais força, ou um meia por um meia. Em Copa do Mundo não convém ficar mudando a estrutura tática, porque são poucos jogos. O treinador da Austrália [GUS HIDDINK]muda o time a cada jogo, fica embolado. Isso no Brasil nunca deu certo. Começar com 4-4-2 e depois ir para 3-5-2. Não dá. Em todas as Copas o Brasil foi o mesmo até o final. Em 2002 o Felipão trocou o Juninho pelo Kleberson, para dar mais consistência ao meio-campo. Mas começou com três zagueiros e três atacantes e não mexeu nisso. Eram sete para defender e três para decidir. Agora são seis para quatro.

- Dava para ter evitado aqueles dez minutos de sufoco?

Não tem jeito. Essa bola alçada na área, com três atacantes fortes, altíssimos, isso vai causar sempre dificuldade para qualquer defesa. O negócio é aproveitar o espaço que eles estão dando, e foi o que fizemos. Pode ver que têm saído muitos gols no cruzamento de bola parada no primeiro pau. Essa é sempre uma jogada complicada para a defesa. Por mais que você treine e oriente, a defesa se enrola, porque o atacante vem de frente e o zagueiro é obrigado a girar o corpo. Só não pode recuar para defender dentro da grande área, que às vezes é um defeito do jogador brasileiro. A gente chama muita atenção para isso, mas na hora do jogo nem sempre sai como a gente pretende. Precisamos ficar fora da grande área o máximo que puder, deixar os caras em impedimento.


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