Chelsea, mancha moral no futebol
Time pode ser bicampeão amanhã, mas isso não apaga a origem escusa do dinheiro que financia o clube londrino - Joseph Harker
Neste fim de semana provavelmente será atingido o clímax da temporada doméstica do futebol inglês, quando o Chelsea, o clube mais rico da Grã-Bretanha, enfrentará o Manchester United, o maior, e quase certamente abocanhará seu segundo título sucessivo na liga.
Nada resume melhor esta era de futebol dominada pelo dinheiro: os salários combinados dos dois times provavelmente dariam para financiar um país de médio porte da Europa Oriental. Mas diferença crucial entre os dois clubes não tem sido percebida porque, em sua rota para a riqueza, United e Chelsea estão em extremidades opostas do espectro da moralidade.
O Manchester conquistou o direito de ser o maior gastador. Ele se tornou o clube de maior torcida do Reino Unido porque sua história dramática conquistou a imaginação do público: um treinador que formou uma equipe campeã, os "Busby Babes", mas perdeu a maioria dela num trágico desastre de avião, e depois construiu um novo time, que em 10 anos se tornou o primeiro clube inglês a vencer uma Copa dos Campeões da Europa.
A torcida do Manchester cresceu de tal maneira que, quando o dinheiro entrou no jogo, eles puderam transformar a maior parte desse apoio em receita de bilheteria, merchandising e cotas de TV.
O Chelsea não teve nada disso, mas acabava de se classificar para a Liga dos Campeões da Europa quando a companhia petrolífera russa Sibneft pagou bilhões de libras em dividendos a seus maiores acionistas, um dos quais era Roman Abramovich.
Foi relativamente fácil, então, um minúsculo grupo de empresários bem relacionados explorar seus laços com o regime pós-comunista de Boris Yeltsin e persuadir trabalhadores russos comuns a desistirem de seus recibos de ações individuais, ignorando seu real valor.
A obscenidade disso é corroborada pelas cifras divulgadas na semana passada mostrando que os 100 russos mais ricos possuem mais de um quarto do Produto Interno Bruto da Rússia. A desigualdade existente na Grã-Bretanha é enorme, mas a Rússia é um outro universo: 18% de seu povo vive abaixo da linha da pobreza; o salário médio é equivalente a 2.000 libras (U$ 3.500). Entretanto, no ano passado, Abramovich liquidou seus últimos interesses empresariais russos por 7 bilhões de libras, elevando sua fortuna a 10,8 bilhões de libras, conforme estimativa aparecida esta semana na "Lista dos Ricos" do jornal londrino The Sunday Times.
Mas no que alguém com tamanha riqueza pode gastar? Em 2003, ele estava voando de helicóptero sobre Londres quando viu um campo de futebol. Dois meses depois era dono do Chelsea. Mais duas semanas e ele havia gasto 100 milhões de libras em jogadores.
Em um ano, não tendo conseguido ganhar nenhum troféu, demitiu o técnico e comprou o homem que acabava de vencer a Copa dos Campeões, José Mourinho, ele próprio atraído pelo salário de 4 milhões de libras. Mourinho gastou outros 100 milhões com jogadores e saiu para conquistar o título para o Chelsea um ano depois - o primeiro em 50 anos, e apenas o seu segundo em todos os tempos.
Claro, é comum benfeitores ricos apoiarem clubes - o Chelsea teve Matthew Harding nos anos 1990. Mas ele era um torcedor do clube e queria realizar seu sonho. Abramovich não tinha nenhuma ligação anterior nem com a Inglaterra nem com o Chelsea. E ninguém desvirtuou tanto o jogo.
Quando o Arsenal propôs pagar o dobro do salário a seu lateral Ashley Cole, o Chelsea disse que o triplicaria - para 80 mil libras por semana. O que já era uma quantia obscena se tornou pornográfica. Todos os clubes da liga estão tendo que aumentar os salários de seus jogadores. Assim, o dinheiro gasto pelos torcedores comuns está sendo comido por uma quantidade cada vez menor de pessoas super ricas.
No Chelsea, todos sabem de onde veio o dinheiro. Os agentes de futebol, é claro, estão pouco ligando para sua origem. Todos os sabichões e comentaristas de futebol falam da qualidade dos jogadores, ou das táticas, ou das falas dos treinadores, fechando os olhos para a pobreza em massa deixada para trás.
O fato é que para o Chelsea, tudo que conta agora é a ganância; o clube se tornou uma mancha moral na face do esporte. Quanto mais essas injustiças forem toleradas, mais seremos todos corrompidos.
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