Um Olhar Crônico Esportivo

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quarta-feira, dezembro 21, 2005

Jogamos bem, sim!


Pensar faz bem, é um exercício saudável.

Desde domingo cedo não tenho pensado muito, tenho só comemorado. É perdoável, vamos e venhamos. Mas o pouco que pensei andou me incomodando e, descubro agora, porque pensei de forma incompleta, pensei me valendo só dos sentimentos e pouco, ou nada, da razão.

Andava meio triste porque os pensamentos me diziam que o São Paulo jogara mal contra o Liverpool naquele terrível segundo tempo de partida. Esse "jogara mal" me incomodava, era uma mancha na conquista, tudo isso espicaçado por comentários de torcedores de outros times e alguns comentaristas esportivos. Mas alguma coisa me dizia que, talvez, só talvez, não tínhamos jogado tão mal contra o Liverpool. Só que eu precisava pensar e pensar era algo fora de cogitação.

Ainda ontem minha cabeça era mais sentimentos do que raciocínio. O coração continuou no lugar do cérebro que, muito simplesmente, se recusava a acreditar que essa cidade maluca e gigantesca estava parada por causa do São Paulo, o "seu" time (seu pelo nome, pois, é claro, nossos co-irmãos também são da cidade, justiça seja feita; até porque são mais velhos que o nosso time). O prefeito, palmeirense assumidíssimo, torcedor de estádio e de botar a boca no trombone - e aqui um parêntesis: ele tem todo o direito do mundo, como ministro, prefeito ou em qualquer outra função, de criticar o seu time ou a nossa seleção - parou o trabalho "prefeitural" para recepcionar o time. Aliás, prefeito José Serra, o senhor tem a obrigação de permanecer no cargo em 2006 pois, tal como em 2005, o senhor terá de fazer nosso bota-fora e depois nos recepcionar como TETRAcampeões mundiais.

Meu coração continuou mandando em tudo ontem, pois depois do prefeito palmeirense veio o governador santista. Medalhas e o decreto nomeando a nossa estação de metrô - São Paulo-Morumbi.

Como? O prefeito e o governador são presidenciáveis? Ah, mas isso é ótimo, excelente, qualquer um dos dois terá meu voto e não por causa das recepções de ontem. E eles, aparecendo pra galera, só aumentaram a nossa festa.

Bom, mas finalmente, de ontem pra hoje o cérebro, lentamente, volta a seu lugar, volta a comandar as ações e, principalmente, os pensamentos.

E retomo a questão que me incomodava: terá mesmo o São Paulo jogado tão mal no segundo tempo contra o Liverpool?

Há controvérsia.

Sim, há controvérsia e não é só o bordão do humorista na televisão. Porque, não podemos esquecer e deixar de considerar em nossas análises, que há poucos meses esse time do Liverpool simplesmente fez um segundo tempo de sonho contra o todo poderoso Milan, uma autêntica seleção mundial, com nada menos que três titulares da seleção brasileira em campo, fora os titulares de outras seleções poderosas. Milan que entrou no segundo tempo com fantásticos 3x0 no placar e saiu de campo derrotado nos pênaltis.

O bombardeio a que o Liverpool submeteu o São Paulo não foi diferente. Os ingleses voltaram para o segundo tempo com a faca nos dentes, metralhadora nas mãos, revólver e granadas na cintura. Submeteram-nos a uma blitz terrível. E nossa defesa isolou uma montanha de bolas. Outra montanha eles erraram, uma coisa natural, e as poucas que tinham endereço certo do gol nosso goleiro defendeu. Parece simples e fácil, né? Simples foi, sem dúvida, jogamos sem invenção, mas fácil não, nem um pouco, a ponto de um cara com toda a experiência de um Reginaldo Leme confessar ao Galvão Bueno que no meio daquele tenebroso segundo tempo tomou um tranquilizante.

A manutenção da vitória apertada no segundo tempo não foi fruto do acaso ou da sorte ou da má qualidade do campeão europeu. Foi fruto, sim, de uma arbitragem maravilhosa - aleluia! - e foi fruto da técnica e da tática demonstradas e empregadas pelo time do São Paulo. Foi dado combate no meio-campo, retardando e, às vezes, matando o nascimento das jogadas do Liverpool. Os três zagueiros - altos e fortes - enfrentaram os atacantes tão altos e fortes quanto eles, de igual para igual. Perderam algumas, o que é natural, mas ganharam muitas, ganharam a maioria das bolas, o que não é natural, mas é, sim, resultado da técnica e da tática empregada pelo treinador.

Fechando o quadro, os doze jogadores entregaram seus corpos e suas almas ao jogo. Foram dedicação pura, raça pura, valentia total.

E, parecia mentira mas era verdade, nossos amigos viajantes e nossos compatriotas dekasseguis, são-paulinos como nós em boa parte, e outra parte brasileiros como nós torcendo pelo São Paulo, fizeram do estádio de Yokohama uma sucursal nipônica do Morumbi. As vozes que se ouviam eram nossas e cantavam ora o hino, ora nossos gritos de incentivo.

É, agora que o cérebro está de volta ao comando, reconheço que o São Paulo não jogou mal o segundo tempo contra o Liverpool. Jogou foi muito bem, isso sim. E só não jogou melhor, como todos sonhávamos, porque é um time que foi a campo sem o ritmo e o entrosamento que nascem no decorrer de uma competição. Se perdemos isso, ganhamos no preparo físico, mesmo estando no final de uma temporada longa, com muito mais jogos do que qualquer time europeu, e jogando contra uma equipe que está no auge de seu ritmo, entrosamento e, também, preparo físico. Portanto, meu cérebro desdiz o meu coração, bom pra sentir e ruim pra pensar: o São Paulo jogou muito bem contra o poderoso Liverpool.

Ah, é verdade, o primeiro tempo. Ora, o primeiro tempo jogamos muito bem. Tão bem que quebramos a invencibilidade de uma defesa que passara onze jogos e mais 26 minutos sem tomar um só gol. Tomou um, na enfiada magistral de Aloísio para Mineiro.

Dedo do técnico, visão e pé do jogador brasileiro.

São Paulo, TRIcampeão Mundial!

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