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quarta-feira, dezembro 21, 2005

Mestre Armando fala de Rogério...

Armando Nogueira


POR ONDE PASSAM, SEUS PÉS DEIXAM NA GRAMA RASTROS DE MÃOS Rogério Ceni, campeão antes da Copa

O São Paulo não foi lá essas coisas, mas Rogério Ceni foi. Evitou o gol três vezes, em três chutes certeiros e mortais.

Mãos triunfais. Foi eleito o melhor da partida. Ganhou troféu, carro de luxo. Um luxo.
Foi aplaudido pela multidão na volta olímpica. O time do Liverpool, um por um, deu-lhe os parabéns, pelo título e pela atuação primorosa. Os colegas de time o acatam, como líder, dentro e fora de campo.

Ele é o porta-voz da tropa, escolhido por consenso. Tem a confiança do treinador, ostentando, com ardor, a braçadeira de capitão.

Na partida, nem precisou mostrar a outra face, igualmente prodigiosa, de sua notoriedade. Não há, no mundo, outro exemplo de goleiro com tamanha lucidez, jogando com os pés. Pés que pensam. Pés que, por onde passam, vão deixando pela grama rastros de mãos.

Vendo sozinho, pela tevê, tamanha consagração, eu me perguntava, na veemência do meu silêncio: como se explica que um goleiro assim, tão rico de belas aventuras, não seja convocado pra seleção? É, no mínimo, intrigante que não lhe concedam, ao menos, o direito de disputar vaga com os outros notáveis da posição.

O nosso Parreira esquiva-se do assunto, com uma explicação no mínimo discutível: goleiro é cargo de confiança! Por acaso, zagueiro não é? Alguém acha que o futebol de Roque Júnior esteja acima de qualquer suspeita? Ali na grande área, naquele espinhoso pedaço, escalado de líbero, sou mais Rogério Ceni.

Se o Brasil não precisa dele na Copa, que seja tão feliz quanto ele, com seu memorável título de campeão do mundo, pelo glorioso São Paulo.

Na final de Tóquio, Rogério Ceni simbolizou a principal virtude do São Paulo, que foi a obstinação. Sitiado, dominado o segundo tempo inteiro, o time resistiu, heroicamente. Guerreiro sem jaça. Podendo até sangrar, é assim mesmo que a pertinácia costuma derrotar a eficácia.
Hoje, dia 21 de dezembro, há precisos 25 anos, morria Nelson Rodrigues, sem sombra de dúvida, o maior cronista esportivo do futebol mundial. Quem nos dera estivesse ele, aqui, pra celebrar o triunfo do São Paulo com as tintas de seus apaixonados excessos verbais. De suas desmedidas metáforas. De seus originalíssimos superlativos.

O Liverpool jogou melhor? - perguntaria o saudoso Nelson, e ele mesmo responderia, comparando o futebol de soldadinhos de chumbo dos ingleses com o futebol delirante do brasileiro: "Não tínhamos rainhas, nem Câmara dos Comuns, nem lordes Nelsons. Mas tínhamos vidência, iluminação. O futebol inglês acaba de ser derrotado pelo mistério de nossos botecos e pela graça de nossas esquinas."

E mais diria, ainda, se a saudade não o tivesse levado pra tão longe de nós.

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