Sucesso e boa viagem!
Ufa!
Mais dois dias e fecha a janela de verão para transferências.
(Verão? Com essa frente fria?... Verão europeu, cara-pálida, verão europeu.)
Segunda-feira será o dia de contabilizar as perdas.
Mas... Terão sido mesmo perdas?
Se foram perdas, quem perdeu?
Ah, o futebol brasileiro perdeu...
Certo, certo, é verdade, o futebol brasileiro perdeu.
Perdeu quem, mesmo?
Ora, minhas senhoras (poucas) e meus senhores (muitos), lamento discordar, mas nada perdeu o futebol brasileiro e tampouco perderam os clubes. Quando um executivo sai do Brasil e vai para outro país ninguém grita que “o Brasil perdeu” ou que as empresas perderam. Simplesmente aceita-se o fato, assim como se aceita sem maiores críticas a debandada anual de muitos milhares de jovens que deixam a aprazível Terra de Vera Cruz em busca de trabalho e salário em outros países. Austrália, Estados Unidos, Inglaterra, Japão e Portugal, entre muitos outros, são os destinos dessa turminha que parte em busca de uma vida melhor ou, simplesmente, de uma vivência no exterior que permita-lhes adquirir conhecimento e, eventualmente, algum dinheiro também.
Antes de mais nada é muita hipocrisia toda a gritaria levantada em torno dessa diáspora futebolística. Cerca de mil jogadores deixam o Brasil ano após ano. Desses, a quase totalidade é formada por jovens sem emprego ou com um empreguinho que mal e mal atinge o salário mínimo ou passa um pouco dele. Pior: a maioria passa longos períodos sem ver a cor da bola remunerada, até porque a maioria dos times brasileiros vive durante
Os holofotes voltam-se para Pato, Ilsinho, Josué, Carlos Eduardo...
Muito justo, são nomes como esses que chamam a atenção de leitores e telespectadores, mas esses são quatro, às vezes seis, nunca passam de dez. Os demais, os outros “
Se ficassem aqui não trabalhariam. Ou trabalhariam em alguma atividade distante daquela com que sempre sonharam. Ao invés de jogar bola, assentar tijolos numa obra eventual, arrumar uma moto e fazer entregas malucas, morrendo numa rua qualquer aos 21 anos de idade, ou, tão provável quanto, ganhar uma grana “trabalhando” com pó ou pico ou fumo, e morrendo por uma bala aos dezenove, vinte, vinte e um ou menos ainda. Estatisticamente, o assassinato é a maior causa mortis na faixa etária de
Fica acertado, então, que a rapaziada deixa a doce e quente Terra de Vera Cruz em busca de trabalho e das coisas que associamos ao trabalho: salário e uma vida digna e decente. Ops, isso é teoria no Brasil, só é realidade em outros países. Um ponto a mais, então, para “sair do Brasil”.
E os pobres clubes?
Ora, ora, ora, os clubes nada têm de pobres. Se estão se arrastando pela hora da morte é por obra e graça de seus próprios dirigentes, gente, por sinal, sempre muito bem de vida em sua imensa maioria, quase totalidade.
Dizer que os clubes investem num jogador é uma verdade muito relativa, pois isso só acontece, de fato, com poucos clubes. E esses, bem ou mal e geralmente bem, sempre são remunerados quando um de seus “formados” vai para o exterior.
Outra coisa: ao investir num jovem jogador, o clube está fazendo o que lhe compete numa economia capitalista. Investe, sim, mas visando o lucro futuro. Não o faz por idealismo e sim por interesse. Tanto é verdade que para cada “formando”, sete, oito, dez outros garotos foram dispensados. Todo investimento pressupõe o risco como contrapartida ao possível ganho. Risco quer dizer que o clube pode ser dar bem, muito bem ou nada conseguir.
É assim o jogo em qualquer economia capitalista, sendo o lucro a recompensa pelo risco. Dessa forma, na minha visão, nada há para os clubes reclamarem.
O futebol brasileiro não está nem um pouco preocupado com essa garotada que sai daqui. Até pelo contrário, pois ao tê-los lá fora fica mais fácil olhar e convocar. Para o futebol brasileiro, essa diáspora é, na verdade, muito salutar, pois permite um giro mais rápido da rapaziada e o surgimento de muitos novos valores a cada ano.
Finalmente, mas não menos importante: dizem que os jogadores deveriam ficar mais tempo no Brasil, conquistar uma ligação maior com a camisa do clube que defendem, etc e tal. Sentimento bonito, não resta dúvida, mas o que deve fazer um garoto, quase sempre vindo da base da sociedade, onde tudo é necessidade e o supérfluo e boa parte do essencial não existem, quando surge uma proposta milionária em sua vida? Uma proposta que significará acertar a vida dele mesmo e de toda sua família? Vamos supor que ele fique, sensibilizado pelos pedidos dos dirigentes, mídia e torcedores...
De repente, num lance isolado e sem perigo algum, perdido num canto qualquer do campo, lá está nosso jovem valor de frente para a bola e de costas para um adversário que o acerta. Com ou sem intenção, criminoso ou não, a verdade é que lá vai nosso jovem valor para o hospital. Fraturas, recuperação, fisioterapia e a dúvida: voltará a ser tudo que era?
Não, minhas senhoras e meus senhores, nada disso, nada da molecada dar ouvidos a jornalistas, dirigentes e torcedores. Eles devem ouvir suas famílias e seus bolsos. Pois, em caso contrário, correm o risco real, verdadeiro, de serem perdedores, os únicos perdedores, como sempre foram.
Portanto, rapaziada boa de bola, boa viagem, façam sucesso e sejam felizes nas terras d’além-mar.
Por aqui, tentaremos ser felizes até a janela de inverno.
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